Solução à brasileira do projeto de lei complementar do motorista de app
- Em 20 de março de 2024
O Projeto de Lei Complementar 12/204, de autoria do Poder Executivo, trata da relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas, dentre os principais pontos da lei temos:
- Definição de empresa operadora de aplicativo;
- Condições para trabalhadores autônomos por plataforma;
- Representação sindical;
- Negociação coletiva;
- Práticas autorizadas para empresas operadoras;
- Remuneração mínima;
- Contribuição previdenciária; e
- Fiscalização e penalidades.
Em uma primeira análise do texto legal, me parece que o objetivo principal seja, na prática, estabelecer mecanismos de inclusão previdenciária e garantir direitos trabalhistas inerentes à relação de emprego aos motoristas de aplicativo para, segundo o autor do projeto, melhorar as condições de trabalho.
Ao avaliar as razões que justificam a proposta de lei complementar, assinada pelos ministros Luiz Marinho, Carlos Roberto Lupi e Fernando Haddad, respeitosamente, acredito ter havido supressão de discussões que precedem a avaliação da necessidade de regulamentação da profissão.
Na medida em que, conforme as suas razões, os proponentes alegam pretender harmonizar a inovação tecnológica com a proteção dos direitos laborais, estabelecendo diretrizes transparentes para a relação entre trabalhadores e empresas operadoras de aplicativos.
Destacam-se aspectos como piso remuneratório, segurança do trabalhador, limites de conexão diária, garantia de direitos previdenciários, controle e fiscalização das atividades das empresas, representação sindical e incentivo à capacitação dos condutores.
Para os autores, o projeto busca promover um ambiente de trabalho digno e justo, alinhado aos princípios da Convenção 144 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e à agenda do trabalho decente.
Mais insegurança jurídica
Confesso que optei por aguardar a poeira baixar, as paixões políticas se acomodarem e refletir sobre a minha própria perspectiva baseada no livro que escrevi em 2021 sobre o tema. Para só então analisar o texto do PLP e emitir um preliminar juízo de valor.
Quem me conhece sabe que sou cético em relação à criação de mais leis como solução para problemas de insegurança jurídica, ao meu ver quase sempre isso acaba em mais insegurança, especialmente em um país como o nosso, onde temos um arcabouço legal já muito complexo de conviver em harmonia.
Por exemplo, tratei de uma potencial figura do “Chapa 4.0”, destacando as similaridades do trabalho desempenhado em plataformas de intermediação de mão de obra com os trabalhadores avulsos.
É certo que as atividades desenvolvidas pelos prestadores de serviço por meio de aplicativo não se enquadram nas hipóteses previstas na Lei do Avulso, tal qual está redigida hoje, entretanto, como esses profissionais, os “uberizados” são convocados ou iniciam o trabalho de forma similar.
No texto propus uma reflexão sobre essa possível equiparação, de forma a viabilizar o modelo de negócio e regular uma proteção mínima contra a suposta precarização.
De certa forma, foi mais ou menos isso que ocorreu com o PLP 12/2024, mas por meio da criação de uma nova categoria, tão segmentada que, na contramão do esperado, pode trazer ainda mais insegurança. Afinal, como vamos enquadrar os entregadores de aplicativo? E o transporte em veículo de duas rodas? Assim como, outros serviços que possam ser oferecidos por meio de plataformas de tecnologia?
Em sentido diametralmente oposto ao que ficou definido no PLP 12/2024, as decisões que pacificaram o tema são no sentido de que o vínculo empregatício não pôde ser observado, já que os revendedores podem manter outras relações jurídicas concomitantes, inclusive empregatícias ou com concorrentes.
Mais que isso, o caráter autônomo da prestação dos serviços é confirmado pela forma de custeio da atividade, atribuída ao próprio revendedor e que recebimento de ordens de gerentes celetistas das empresas de venda direta são, na verdade, meras instruções.
Contribuintes obrigatórios da Previdência
Do ponto de vista legislativo, nada foi alterado, muito menos criada uma nova categoria para acomodar esses profissionais, afinal são trabalhadores autônomos, revendedores de produtos, e assim permanecem até os dias atuais. O debate ficou em cima do modelo de negócio das empresas de venda direta.
Inclusive, os MEIs têm alíquotas contributivas muito mais atrativas em relação aos trabalhadores autônomos e aos plataformizados do PLP 12/2024.
Por isso, mantenho a minha posição original, externada no referido livro, no sentido de que é necessário primeiro enfrentar o debate sobre a natureza jurídica das empresas de tecnologia que viabilizam as plataformas tecnológicas de intermediação de oferta e demanda de serviços antes de adentrar na forma como se poderia melhorar as condições dos trabalhadores plataformizados.
Tal qual constou no referido PLP, partimos da premissa de que essas empresas sejam aplicativos de transporte e não mais ferramentas agregadoras de oferta e demanda por meio de inteligência algorítmica. E isso pode ter consequências para ambas as partes da equação.
Em uma economia de compartilhamento, essas plataformas deveriam funcionar como um viabilizador para que profissionais de uma determinada categoria se cadastrem para que possam ser localizados no meio da multidão e prestar os serviços que desejam. Tenho certeza que isso ficaria mais evidente se a relação com essas plataformas se encerrasse na conexão entre indivíduos.
Fenômeno tecnológico x CLT
É neste ponto nevrálgico que entendo estarmos deixando de lado a importante missão de compreender o fenômeno tecnológico, para novamente brigar por uma equiparação proporcionalizada desses trabalhadores aos celetistas, com o potencial de desagradar a todos.
De toda sorte, acabamos mais uma vez atacando o sintoma e não a doença.
Já existe, inclusive, uma preocupação se as condições não vão ficar ainda piores para os trabalhadores, na medida em que, com a garantia de uma remuneração mínima, as empresas vão ficar ainda mais confortáveis escondidas nas “caixas pretas” dos seus algoritmos e os trabalhadores podem se ver obrigado a trabalhar ainda mais para tornar a sua atividade economicamente viável.
Enfim, ao meu ver estamos ainda muito longe de compreender o fenômeno tecnológico relacionado com a tal uberização, de equilibrar os conflitos geracionais e suas prioridades frente ao nosso ordenamento jurídico trabalhista vigente e mais uma vez vamos resolver “à brasileira”, por meio da imposição legal, as questões jurídicas que se colocam fruto da evolução do mercado de trabalho.
Maurício Pallotta
Graduado em Direito pelo Mackenzie, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela UNISAL e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP;
Advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial;
Palestrante incompany;
Docente convidado em instituições privadas (ESA São Paulo, ESA Marília, ESA Nacional, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos);
Autor do livro “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.
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