Linhas Gerais sobre a Assembleia Geral de Credores na Recuperação Judicial e a possibilidade de voto abusivo do credor

  • Em 6 de março de 2024

A assembleia geral, que reúne os credores da empresa em processo de recuperação judicial, é o órgão responsável por decidir assuntos que afetam o recebimento dos créditos.

Ela representa a união dos credores, expressando a vontade coletiva do grupo, inclusive dos ausentes na votação, sendo possível dizer que a assembleia reflete a vontade da massa de credores.

Suas despesas são normalmente cobertas pelo devedor ou pela massa falida, a menos que seja convocada pelo comitê de credores.

O magistrado tem um papel limitado, incumbindo-lhe apenas verificar a legalidade dos procedimentos. O princípio da paridade entre credores, embora fundamental para a falência, também é aplicável na recuperação judicial, permitindo o controle legal do plano de recuperação pelo Poder Judiciário.

A criação de subclasses entre os credores é permitida, desde que haja critérios objetivos e justificados no plano de recuperação, sem prejudicar os direitos individuais dos credores isolados ou minoritários, conforme se verá a seguir.

A assembleia geral de credores, seja na falência ou na recuperação, tem autoridade para determinar a formação e os membros do comitê de credores. Qualquer pessoa pode solicitar a convocação da assembleia, mas é o juiz quem decide se será realizada.

Se a convocação for deferida pelo juiz, um edital deve ser publicado com pelo menos 15 dias de antecedência, podendo incluir a data da segunda convocação, que deve ser realizada no mínimo 5 dias após a primeira.

A assembleia só pode tomar decisões sobre assuntos específicos em pauta com a presença mínima de credores, conhecida como quórum de instalação. Na primeira convocação, é necessário que os credores representando mais da metade dos créditos de cada classe estejam presentes. Na segunda convocação, qualquer número de credores é suficiente para instalar a assembleia.

Após o início da assembleia, ela é presidida pelo administrador judicial, que escolhe um secretário entre os credores presentes. As deliberações podem ocorrer em duas instâncias: o plenário e as classes de credores. No plenário, as decisões são aprovadas pelo voto da maioria dos credores presentes, considerando o valor dos créditos.

Quando a assembleia geral precisa decidir sobre a formação do comitê de credores e a aprovação ou não do plano de recuperação judicial, os credores são divididos em grupos. Para aprovar o plano de recuperação, a votação em assembleia é dividida em quatro classes, conforme estabelecido no artigo 41 da Lei 11.101:

 

  1. Classe I: Compreende os credores com créditos relacionados à legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho. Eles votam pela integralidade do crédito.
  2. Classe II: Inclui os credores com créditos garantidos por algum bem. Eles votam até o valor do bem dado em garantia. Se a garantia exceder esse valor, o montante restante é incluído na Classe III.
  3. Classe III: Engloba os credores quirografários (sem garantia), com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. Aqui também entram os credores com garantia real na parte em que excede o valor do bem dado em garantia.
  4. Classe IV: Consiste nos credores enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, independentemente da origem do crédito.

 

O quórum necessário para aprovar o plano varia de acordo com a classe dos credores:

Para as Classes I e IV, é necessária a maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor do crédito;

Para as Classes II e III, é exigido que os credores representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, além disso, a maioria simples dos credores presentes;

Para os credores da classe trabalhista e Microempresas/Empresas de Pequeno Porte (ME/EPP), o plano de recuperação precisa ser aprovado pela maioria simples dos credores presentes, sem considerar o valor dos créditos. Em outras palavras, o voto é contado apenas pelo número de credores (voto quantitativo).

 

Para os credores da classe com garantia real e quirografários, é necessário que a maioria simples dos credores presentes seja combinada com mais da metade do valor total dos créditos presentes na assembleia. Aqui, o voto é contabilizado tanto pelo número de credores quanto pelo valor dos créditos (voto quantitativo e voto qualitativo).

Mesmo que o plano seja rejeitado pela assembleia de credores, o juiz pode conceder a recuperação judicial à empresa. Trata-se do chamado “cram down”.

Os requisitos do cram down incluem: (i) o voto favorável de mais da metade do valor de todos os créditos presentes na assembleia, (ii) a aprovação de pelo menos duas classes de credores ou, se houver apenas duas classes, a aprovação de pelo menos uma classe, (iii) o voto favorável de mais de um terço dos credores na classe discordante, e (iv) o plano não deve tratar de maneira diferente os credores que o rejeitaram.

Algumas críticas ao cram down incluem o fato de se preocupar apenas em superar a objeção ao plano, sem considerar princípios fundamentais, como é feito em outros países com institutos similares. Além disso, há apenas um quórum alternativo estabelecido, sem espaço para a apreciação pelo juiz quanto a possíveis abusos ou preocupações com a efetiva capacidade do devedor em superar a crise ou harmonizar os interesses envolvidos.

Não há na Lei nº 11.101/2005 uma disposição que impeça o credor de rejeitar ou aprovar o plano proposto pelo devedor. O credor tem o direito de participar e votar em assembleias sempre que o plano apresentado pelo devedor modificar a forma de pagamento original do seu crédito. O PL 6229/2005, em seu artigo 39, parágrafo 6º, estabelece que o voto do credor é exercido em seu próprio interesse e pode ser anulado somente se for claramente utilizado para obter vantagem ilícita.

Os credores têm o poder de influenciar os direitos do devedor e de outros credores, uma vez que as decisões da assembleia geral de credores têm força vinculativa. Isso significa que não apenas os credores presentes e favoráveis ao plano, mas também aqueles que discordam, estão ausentes ou faltam à assembleia, são obrigados a seguir o resultado anunciado. Além disso, os diversos interesses envolvidos na empresa em crise, como os investidores, funcionários, consumidores e a comunidade em geral, que não têm mecanismos contratuais para participar da assembleia, também serão afetados pelas decisões tomadas.

A Lei 11.101/2005 não aborda explicitamente o abuso do direito de voto em assembleias gerais de credores, o que leva os intérpretes a preencher essa lacuna com base nas disposições do artigo 187 do Código Civil, que se aplica subsidiariamente à nossa legislação concursal, e também à luz da Lei de Sociedades Anônimas, que trata do abuso do exercício do direito de voto em órgãos colegiados.

A deliberação dos credores é sobre disposições de natureza econômica e negocial e, restrito ao juiz o controle da legalidade, tais circunstâncias muitas vezes dão ensejo à abusividade de credores.

Somado a isso, os credores não são obrigados a externar as razões pelas quais deliberam pela aprovação, ou não, das condições de pagamento propostas pelas recuperandas, podendo delas livremente dissentir pela simples circunstância de se voltar o plano recuperacional à modificação, em prol, sobretudo, das devedoras, das condições originárias dos créditos por eles ostentados.

O artigo 187 do Código Civil considera que o abuso do direito ocorre quando há uma clara violação dos limites impostos pelo seu propósito econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Por outro lado, o artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas estipula que o acionista deve exercer seu voto no interesse da companhia, sendo considerado abusivo o voto que visa causar prejuízo à companhia ou a outros acionistas, ou buscar vantagens indevidas para si ou para terceiros, resultando em prejuízo para a companhia ou outros acionistas.

Por fim, cabe ao Poder Judiciário o controle da legalidade e identificação de abusividades por parte dos credores, para que, nessas hipóteses, seja possível superar o caráter meramente negocial do plano, equilibrando os interesses dos credores com o princípio da preservação da empresa.

 

Dicionário Zero juridiquês:

Massa falida – é o conjunto dos bens e direitos da empresa falida, abrangendo, assim, os créditos e os bens, além dos débitos da falida.

Comitê de credores – é o conjunto de credores do devedor. Tem a função de fiscalizar o cumprimento do plano de recuperação judicial. Ele é um órgão facultativo e é composto por 4 representantes.

Princípio da paridade de credores – tratamento igualitário aos credores.

Administrador judicial – é uma pessoa física ou jurídica (sob a responsabilidade de um profissional) nomeada pelo juiz para auxiliá-lo nos processos de recuperação judicial e falência, com as funções de levantamento e verificação de créditos e débitos, organização da Assembleia de Credores e fiscal das atividades e dos pagamentos.

Garantia real – são aquelas que conferem ao credor o direito de se fazer pagar, com prioridade ou preferência face a quaisquer outros credores, pelo valor ou rendimentos de certos e determinados bens, móveis ou imóveis, do próprio devedor ou de terceiro.

Sociedade Anônima, S.A –  é uma natureza jurídica na qual a participação e a responsabilidade dos sócios (acionistas) é definida pela quantidade de ações que possuem.

 

Como o PMA pode ajudar?

O PMA pode realizar tanto um trabalho consultivo, analisando a viabilidade de recuperação judicial da empresa, bem como contencioso, atuando neste processo. Da mesma forma, para o credor, defender seus interesses na fase pré-processual e processual, analisando a viabilidade do plano e todos os meios processuais necessários para buscar a retomada de seu crédito.

 

Por Bruna Braghetto, Advogada, Palestrante e Instrutora In company. MBA em Direito Corporativo, Compliance e Pós-Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Santos.

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