Código Civil: alterações relevantes no direito digital, personalidade, obrigações e contratos

  • Em 22 de abril de 2024

O Código Civil está passando, no momento, por um processo acelerado de reformas. Após oito meses de trabalho, a equipe de juristas encarregada de revisar o Código Civil finalizou, no dia 5 de abril, a análise das propostas de atualização do texto. Um grupo composto por 38 especialistas dedicou-se intensamente à análise de mais de mil artigos do código vigente desde 2002.

O novo anteprojeto do Código Civil, que será entregue em breve ao presidente do Senado, introduziu novidades como uma seção dedicada ao direito digital e uma expansão do conceito de família. A proposta ainda será submetida à análise e discussão pelos senadores.

A reforma do Código está lidando com as correntes mais modernas do Direito Civil e jurisprudência em vigor, ou seja, a lei irá positivar aquilo que a jurisprudência atual já vem decidindo, bem como os entendimentos doutrinários que ainda não estão no texto legal.

Importante dizer que, se aprovado pelo Congresso, não haverá alteração principiológica significativa do Código, apenas uma adequação aos tempos modernos. Porém, a reforma será vasta. A título de exemplo, haverá um novo livro sobre Direito Digital, buscando superar a obsolescência do Código atual no tema tecnologia.

Há muitas questões a serem levadas em consideração neste aspecto, como por exemplo perfis em rede social na perspectiva do direito da personalidade, no sentido de encarar a existência da pessoa no aspecto digital, atualmente mais relevante do que o próprio modo “presencial”, haja vista a maior interação na internet.

Outra questão que merece atenção do novo Código é a atuação dos algoritmos que monitoram o comportamento e dados das pessoas para lhes oferecer produtos, ofertas e guiá-las em decisões automatizadas. Neste campo, a responsabilidade por erros e danos advindos dessa tecnologia precisa ser prevista em lei.

Capacidades

Já na parte geral do Código Civil, o sistema de capacidades deve ser revisto. Isto porque quando a Lei Brasileira de Inclusão [1], seguindo a diretriz da Convenção de Nova Iorque, alterou o conceito de capacidade, o inciso III do artigo 4 do Código Civil assim permaneceu:

“Art. 4º – São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;”

Porém, há incongruência neste inciso, porque a pessoa que, por causa temporária ou permanente não puder exprimir sua vontade, ela é, na verdade, absolutamente incapaz, como por exemplo o paciente internado em coma induzido.

É possível também que haja nova previsão no direito de personalidade, a chamada “diretiva de vontade strictu sensu”. Por exemplo, a pessoa poderá fazer o chamado testamento vital, onde preveja a forma que deve ser conduzido o seu tratamento em caso de doença terminal, recusando tratamentos que apenas prolongue uma vida vegetativa.

Outra possibilidade é a outorga de procuração para cuidado de saúde, onde fique estipulado, em caso de incapacidade, quem será seu curador.

Na parte das obrigações, uma das discussões é acerca dos juros de mora. Atualmente, preceitua o artigo 406 do Código Civil:

“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

Hoje, vigora o entendimento da Corte Especial do  STJ no sentido de que os juros legais de mora devem corresponder à taxa Selic. A dúvida é se permanecerá esta previsão ou se haverá fixação de percentual fixo.

Cabe aqui uma ponderação: arbitrar  um valor fixo pode gerar uma desconexão dos juros moratórios com aquilo que realmente faz o dinheiro do País render. Atualmente, a taxa Selic representa o quanto o dinheiro parado naquele país rende. Logo, a diferença entre as taxas pode estimular a inadimplência no país, a partir do momento em que a taxa Selic se mostrar mais atrativa.

Contratos de fiança

Na seara dos contratos, acerca do contrato de fiança, o credor terá o dever de comunicar o inadimplemento para o fiador de imediato, impedindo o avolumamento da dívida. A partir deste momento, o banco deverá em 90 dias executar a dívida, sob pena de não poder cobrar do fiador os encargos moratórios do débito.

Ainda sobre o mesmo tema, o fiador, diante da inércia do banco em executar a dívida, pode ele mesmo cobrá-la enquanto substituto processual do banco, para poder penhorar bens ainda disponíveis no patrimônio do devedor, impedindo que ele se coloque em insolvência.

Sobre as cláusulas gerais do contrato, quais sejam, função social e boa-fé, atualmente, o código artigo 422 do CC apenas prevê a sua observância na execução e conclusão da avença. Na proposta de alteração, deverá constar estes deveres nas fases pré e pós contratuais.

Ademais, a comissão de contratos está ajustando o artigo 478 CC no sentido de ajustá-lo ao artigo 317 CC. Trata-se da teoria da imprevisão, prevista nestes dois artigos citados, porém, de formas distintas. A proposta de mudança é para ajustar o mesmo texto para ambos os artigos.

Ainda na seara dos contratos, a comissão propôs a previsão de cláusula de hardship nos contratos, que tem como principal objetivo a determinação de que os contratantes, diante de uma situação de desequilíbrio posterior à formação do contrato, tenham um compromisso de tentar renegociar suas prestações, almejando o seu reequilíbrio.

Também foi sugerida a inclusão de uma cláusula que formaliza a teoria da frustração do fim do contrato. Essa cláusula estabelece que, caso a finalidade originalmente acordada entre as partes se torne impossível de ser alcançada devido a fatores externos, o contrato se tornará ineficaz, mesmo que ainda seja possível cumprir suas obrigações. Essa teoria está diretamente relacionada ao conceito de término do contrato, que não deve ser confundido com os motivos individuais das partes envolvidas, mas sim com a função prática do acordo jurídico em questão.

Em suma, as alterações propostas para o Código Civil nacional representam um esforço significativo para adequar a legislação às demandas da sociedade contemporânea. Ao positivar as interpretações consolidadas na comunidade jurídica, corrigir falhas redacionais e inserir inovações decorrentes, o anteprojeto reflete a necessidade de acompanhar os avanços tecnológicos e as mudanças nas estruturas sociais, econômicas e culturais. Resta agora aguardar a discussão e deliberação dos senadores para que essas propostas possam ser implementadas e contribuir para um ordenamento jurídico mais atualizado e inclusivo.

 

Por Bruna Braghetto, Advogada, Palestrante e Instrutora In company. MBA em Direito Corporativo, Compliance e Pós-Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Santos.

 

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