Simulação à luz da jurisprudência atual

  • Em 21 de outubro de 2022

O presente artigo tem o objetivo de demonstrar a evolução da simulação dos negócios jurídicos (artigo 167 CC), bem como a jurisprudência sistematicamente aplicada sobre o tema, corroborando a gravidade entendida pelo legislador.

No Código Civil de 1916 havia as seguintes espécies de defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação, fraude e simulação. Esses defeitos eram causas de anulabilidade do negócio jurídico.

O Código Civil de 2002 acrescentou dois novos defeitos do negócio jurídico: lesão e estado de perigo.

Contudo, a principal mudança trazida pelo Código Civil de 2002 sobre o tema foi elevar a simulação à causa de nulidade absoluta do negócio jurídico, tamanha sua gravidade.

É de suma importância ter em mente esta diferenciação entre o que prevê os códigos, uma vez que a validade do negócio jurídico é analisada segundo a lei do tempo de sua celebração. Logo, um contrato simulado (espécie de negócio jurídico), celebrado sob a égide do Código Civil de 1916 terá como consequência sua anulabilidade, enquanto o mesmo defeito do contrato, a partir da vigência do Código Civil atual, irá acarretar sua nulidade absoluta.

Na simulação, é celebrado negócio jurídico aparentemente normal, porém, não irá gerar os efeitos que ostensivamente pretende produzir. Neste caso, as duas partes se ajustam para celebrar contrato fictício com a finalidade de prejudicar terceiro ou ferir a lei.

Atenção: a simulação não se confunde com o dolo, pois neste uma parte pretende enganar a outra, quando naquela, ambos os “contratantes” estão cientes do negócio fictício celebrado para prejudicar terceiro.

A simulação tem duas espécies: a simulação absoluta e a simulação relativa.

Na simulação absoluta, o contrato celebrado é destinado a não gerar efeito jurídico nenhum. Um bom exemplo que coaduna com a jurisprudência atual é sobre a prestação de alimentos. O Supremo Tribunal Federal (STF), em maio/22, considerou inconstitucional a cobrança de imposto de renda sobre pensões alimentícias no âmbito do direito de família, derrubando a tributação desse rendimento.

Surpreendentemente, têm surgido ações de alimentos, onde geralmente as partes têm parentesco e são maiores e capazes, para que uma parte pague à outra alimentos de forma simulada, com a única intenção de que aquele valor não seja tributado pela União a título de imposto de renda.

Trata-se de simulação absoluta, cuja obrigação não é apta a gerar efeito jurídico algum, apenas prejudicar o Estado.

Já na simulação relativa, também chamada de dissimulação, as partes celebram negócio destinado a encobrir outro negócio cujos efeitos são proibidos por lei.

Importante memorizar que, quer a simulação seja absoluta, quer a simulação seja relativa, a consequência é a nulidade absoluta do negócio jurídico, em ambos os casos! A única diferença é que na simulação relativa, se for possível, o juiz aproveita o negócio jurídico subjacente.

Outra evolução da jurisprudência sobre a simulação é que, havia no CC/16 uma regra que proibia às partes que celebraram o negócio jurídico da simulação de alegá-la contra a outro em eventual ação judicial, no sentido de pretender a anulação do negócio. Valeria aqui a máxima de que não é permitido a ninguém se beneficiar da própria torpeza.

Porém, à luz do CC/22, a simulação é causa de nulidade absoluta, logo, é matéria de ordem pública e pode ser reconhecida inclusive de ofício pelo juiz. Consequentemente, é possível que hoje um dos contratantes, com base na existência de simulação, requeira contra o outro a anulação judicial do contrato.

Esta foi a conclusão firmada no Enunciado 294 da IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal: “Sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra”.

No mesmo sentido, o STJ decidiu, no julgamento do REsp 1.076.571, que a prática de contrato simulado para encobrir a realização de pacto comissório pode ser alegada por um dos contratantes como matéria de defesa, em contestação, mesmo quando aplicável o CC/1916.

Inclusive, já decidido pelo STJ, através do REsp 1.582.388, que o reconhecimento de nulidade do negócio jurídico simulado prescinde de ação própria.

Voltando à simulação relativa, um exemplo é o contrato de vaca-papel, denominação comum dos contratos celebrados entre parcerias pecuárias e utilizado para encobrir a ocorrência real de mútuo feneratício, ou seja, é um contrato simulado de parceria pecuária, que tem a finalidade de esconder um mútuo usuário puro simples, como outras vezes representa o preço pelo qual foi concretizado um negócio.

Este tipo de contrato é normalmente celebrado no caso de empréstimo realizado a juros extorsivos, proibido pela legislação. Sendo assim, simula-se um contrato de parceria pecuária para encobrir a verdadeira agiotagem.

Outra importante consequência que teve a elevação da simulação à categoria de nulidade absoluta foi a imprescritibilidade da ação, pois, sendo matéria de ordem pública, pode ser alegada a qualquer tempo e modo. Logo, não se sujeita aos institutos da decadência e prescrição.

Por fim, os legisladores observaram a gravidade da simulação, tanto na intenção de prejudicar terceiros ou até mesmo o Estado, logo, acertada foi a decisão de impingir a nulidade absoluta ao negócio jurídico simulado, o que vem sendo observado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores em diversas decisões que antes abrandavam a gravidade do instituto.

Por Bruna Braghetto, Advogada, Palestrante e Instrutora In company. MBA em Direito Corporativo, Compliance e Pós-Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Santos.

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