Das medidas indutivas de execução e a resistência do Poder Judiciário
- Em 1 de novembro de 2021
O processo de execução passou por inúmeras alterações na última década com escopo de alcançar a efetivação do direito do exequente, ou seja, a realização no mundo fático do direito exigível.
O princípio da efetividade decorre exatamente da satisfação total de qualquer direito consagrado em título executivo. As discussões sobre este princípio surgem através de questionamentos a respeito do alcance das proteções à pessoa e ao patrimônio do devedor, que em determinados casos se chocam com os direitos assegurados ao credor.
Na esteira deste princípio, o novo código de processo civil trouxe em seu bojo o artigo 139, inciso IV, que determina ao juiz realizar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Existem severas críticas a este artigo sob a justificativa de permitir meios coercitivos atípicos, além de supostamente não fixar limites de aplicabilidade, dando ultra poderes aos magistrados, porquanto previstos em cláusula geral.
Por outro lado, segundo dados do Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça/2018, 53% dos processos pendentes ao final de 2017 são casos de execução (CNJ, 2018).
A frustração executiva patrimonial e a “crise da execução” é objeto de estudo de processualistas há tempos, segundo Fredie Didier[1]:
“A justificativa doutrinária de viabilidade das medidas coercitivas atípicas na obrigação de pagar quantia certa é a mesma ideia existente quando surgimento dos meios atípicos em nosso ordenamento: necessidade de o Poder Judiciário dar uma prestação jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, para respeito além da inafastabilidade da jurisdição, para ao devido processo”
Isto sem falar no artigo 6º CPC, o qual revela princípio da cooperação no processo civil, através do qual todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Como exemplo de tais medidas indutivas, tem-se a apreensão de passaporte. O entendimento do STJ sobre a aplicação desta medida é no sentido de que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, desde que concedido o contraditório e ampla defesa, observando-se a resistência injustificável do executado em realizar o pagamento de sua dívida, o princípio da proporcionalidade permite a apreensão do documento.
Obviamente, esta providência se mostra necessária e razoável para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar injustificadamente o processo executivo.
A apreensão da CNH também é admitida e segue os mesmos fundamentos autorizadores.
Outro exemplo de medida executiva atípica é o bloqueio de redes sociais e do whatsapp do devedor. O pedido, contudo, tem sido frequentemente rejeitado pelo Poder Judiciário. Nos dizeres do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por ocasião do julgamento de Agravo de Instrumento[2]:
“a adoção das discutidas providências atípicas é subsidiária, somente sendo cabível depois de tentados os meios de sub-rogação convencionais. Além disso, devem ser determinadas com esteio em uma análise prognóstica de seus reflexos na satisfação do crédito perseguido. Não podem ter como fulcro a mera punição da parte contra a qual se dirigem… Realmente, é improvável que as medidas requeridas surtam algum efeito no tocante à satisfação do crédito. Isso sem contar que são facilmente burláveis. O devedor poderia acessar o WhatsApp por meio de outro número de telefone, bem como às redes sociais, mediante criação de outros perfis.”
Uma crítica que se faz ao julgado é que as medidas indutivas têm o objetivo de instigar o credor ao pagamento, logo, longe de querer punir pessoalmente a parte, a mera hipótese daquela medida refletir na consciência do credor a realizar o pagamento de sua dívida já teria alcançado o objetivo da ordem judicial.
Além disso, competiria aos provedores destes serviços o fiel cumprimento da medida indutiva e ao Poder Judiciário em conjunto com o credor fiscalizá-la. Caso o devedor burlasse a referida ordem judicial estaria sujeito à multa por ato atentatório à dignidade da justiça prevista no art. 77, IV e § 2º, CPC, sem prejuízo de outras sanções nas esferas criminal, civil e processual.
Ademais, não há dúvidas de que remanesceria incólume o princípio da menor onerosidade para o executado diante da adoção destas medidas executivas atípicas, posto que preservados o mínimo existencial e, via de consequência, a dignidade da pessoa humana.
Na mesma esteira, a determinação de bloqueio do uso de cartão de crédito pelo executado também é medida possível e segue os mesmos pressupostos de subsidiariedade e atendimento aos princípios da proporcionalidade e contraditório.
Por fim, em que pese já haver passado 6 anos desde a vigência do Código de Processo Civil, que trouxe a possibilidade das medidas indutivas, o Judiciário ainda é muito cauteloso na aplicação destas providências, justificando a impossibilidade em razão do princípio da menor onerosidade ao devedor e até a incerteza de efetividade à satisfação do crédito.
Todavia, no balizamento dos princípios constitucionais, devem ser privilegiadas a efetividade da jurisdição e a celeridade do processo, sem que, com isso haja o desrespeito ao devido processo legal e contraditório, O escopo do novo Código de Processo Civil, explicitamente declarado em sua exposição de motivos, é o de resolver problemas, logo, mostra-se imprescindível a criação de medidas capazes de atendê-lo satisfatória e efetivamente.
Por Bruna Braghetto, sócia advogada no Pallotta, Martins e Advogados. Pós Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e cursando MBA em Direito Corporativo e Compliance.
[1] DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de processo civil: Execução. 4. ed. Salvador: Juspodovim, 2012.
[2] (TJSP; Agravo de Instrumento 2184368-86.2018.8.26.0000; Relator (a): Rui Cascaldi; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 13/12/2018; Data de Registro: 13/12/2018)
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