CONDO-HOTEL: MODELO DE INVESTIMENTO DESIGUAL

  • Em 3 de maio de 2021

Inicialmente, este modelo de investimento pode parecer lucrativo, porém, ao analisar suas peculiaridades, principalmente no que tange o modo de administração da empresa hoteleira, este negócio revela-se extremamente desvantajoso para o investidor.

Neste modelo contratual, o investidor adquire uma unidade de um prédio/edifício, e em seguida cede o direito de uso para uma unidade hoteleira, que irá gerir o imóvel por um determinado período, normalmente dez anos. Quando a operação do hotel iniciar de fato, os investidores começam a receber rendimentos relacionados ao lucro obtido no negócio, após retirada a parte da rede hoteleira.

Do ponto de vista da diversificação, o pool de investidores a ser formado divide os riscos do empreendimento. A ideia é que algumas pessoas que querem investir no ramo imobiliário, mas não têm recursos individualmente para comprar um imóvel. Uma opção, dessa forma, pode ser comprar um quarto de hotel e, assim, juntos, comprarem um hotel todo.

O primeiro ponto que deve ficar claro é a característica de investimento mobiliário deste negócio (não é uma compra e venda de imóvel pura e simples), o qual, inclusive, é regulado pela Comissão de Valores Mobiliários. Assim, como todo investimento, sujeita-se às condições de mercado, porém, esta característica é pouco ou nada divulgada nos stands de venda.

Recentemente, inclusive, foram editadas alterações na regulamentação de condo-hotéis pela CVM, uma delas prevendo o dever de aprimoramento do conteúdo do prospecto e do estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendimento hoteleiro, justamente no sentido de evitar ofertas irregulares.

No mesmo sentido, foi imposto o dever às incorporadoras de fiscalizar a atuação das corretoras de imóveis, de maneira a induzir o aprimoramento das práticas comerciais utilizadas durante as ofertas.

Para mensurar a diferença da compra de uma unidade de condo-hotel para um negócio imobiliário típico, naquele o proprietário não pode usufruir de sua unidade como bem entende, tampouco retirá-lo da administração hoteleira, não ao menos sem pagar multa.

Não há clareza de tais informações no momento da venda, colocando o comprador em desvantagem informacional ao não poder realizar uma livre escolha, consciente de todos os riscos que aquele investimento pode lhe trazer, assumindo-os justamente por deles tomar conhecimento.

Outro problema reside na gestão dos custos de operação pela administradora hoteleira. Isto porque, uma vez outorgada procuração para que tal empresa faça a gestão do hotel, não podem os investidores interferir ou discordar da forma como geridos custos, serviços e gastos, o que leva, muitas vezes, à troca da empresa administradora através de uma longa e desgastante negociação.

Importante observar que a remuneração destas empresas não está atrelada ao lucro líquido do investimento, mas sim à receita bruta gerada pela ocupação do hotel, locação de espaços para eventos, restaurantes, dentre outros. Neste tocante, as despesas pouco importam, não havendo preocupação em economia, evidenciando uma flagrante contradição dos interesses do investidor, com aqueles do gestor hoteleiro.

Esta situação é tão evidente que a nova regulamentação da CVM para condo-hotéis inseriu a obrigatoriedade dos ofertantes em constar no prospecto de oferta do empreendimento esta disparidade de interesses em seu Anexo 6-I:

 

“I – Da capa do Prospecto deve constar o seguinte aviso:

(…)

  1. j) a possibilidade de a sociedade operadora incorrer em conflito de interesses em razão de parcela substancial da remuneração da operadora do empreendimento hoteleiro estar vinculada à receita bruta do empreendimento hoteleiro, diferentemente da remuneração dos investidores, que está vinculada ao lucro operacional;”

 

Além do mais, não raras vezes, tem-se visto empreendimentos com vícios construtivos significativos, o que impacta diretamente na lucratividade do investidor, devido à baixa taxa de ocupação em hotéis de infraestrutura deficitária.

Ao final de tudo, o investidor, que aportou valores elevados para a compra da unidade, ao pretender vendê-la, vê esvaziado o valor por metro quadrado pelo qual adquiriu a propriedade, uma vez que o interesse do comprador é justamente a lucratividade daquele investimento, o que muitas vezes não chega a R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais.

Ademais, pior que o recebimento ínfimo é a hipótese real, a qual deve ser, inclusive, constante do prospecto acima mencionado, da necessidade de aporte financeiro pelos investidores:

“a) a possibilidade de os investidores não obterem lucro ou de apurarem prejuízos em decorrência do insucesso do empreendimento hoteleiro;

  1. b) a possibilidade de o investidor ter de aportar recursos adicionais àqueles necessários à aquisição do investimento;”

O direito de discussão dos problemas apresentados pelo empreendimento é oportunizado em reuniões de assembleia do condomínio e, neste momento, mais uma situação desvantajosa para o investidor se apresenta na medida em que, muitas vezes, a construtora/incorporadora pode representar maioria de voto pela quantidade elevada de unidades que ainda permanecem na sua propriedade.

A CVM prevê necessidade de inclusão desta possibilidade no prospecto de venda, porém, esta prática não é observada pelas empresas ofertantes.

Por todas estas questões que evidenciam a hipossuficiência do investidor em face das empresas que fazem parte da cadeia de oferta do produto, principalmente construtora e bandeira hoteleira, geralmente de grande porte, aquele que compra a unidade deve ser considerado consumidor e, a partir disso, deverão incidir as regras do Código de Defesa do Consumidor, sem prejuízo do Código Civil.

Nesse sentido, o art. 51, §1º do Código de Defesa do Consumidor apresenta a ideia de “vantagem exagerada” a implicar a revisão do contrato em busca da restauração do equilíbrio contratual, focando, portanto, no desequilíbrio de forças entre as partes integrantes do contrato disciplinado por este diploma legal.

A busca pelo equilíbrio contratual privilegia a função social do contrato, da qual decorre o princípio da conservação contratual, e, portanto, evita decisões que impliquem a extinção do contrato, o que significa dizer que a ação judicial movida para esta finalidade buscará suprir a desvantagem do consumidor em negócio cujo valor de mercado se esvaziou em seguida à compra.

O sistema jurídico atual não tolera a intangibilidade absoluta da vontade das partes, tendo em vista que a negociação inicialmente avençada pode vir a tornar-se instrumento para um contratante almejar lucro exagerado com o consequente sacrifício da outra parte, em virtude da alteração das circunstâncias que serviram de pressuposto para formação do contrato.

A teoria da imprevisão foi primeiramente adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, que ergueu o princípio do equilíbrio contratual a princípio da relação de consumo, ao prever, em seu art. 6º, inciso V, ser direito do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Por exemplo, o conjunto de contratos de condo-hotéis impede o investidor de locar sua unidade por outras plataformas, limitando-a apenas à administração do gestor hoteleiro. A abertura desta possibilidade poderia trazer maior rentabilidade ao consumidor, evitando a ação judicial para desfazimento do negócio.

Outra opção é equiparar o valor pelo qual foi adquirida a unidade pela rentabilidade mensal desfrutada. Em outras palavras, uma unidade comprada por R$ 300.000,00 vale o recebimento de R$ 300,00 pelos alugueis mensais repartidos? Para o recebimento de tais valores, quanto, na verdade, valeria o imóvel?

No Código de Defesa do Consumidor, o princípio do equilíbrio contratual visa a proteção da parte mais fraca da relação contratual consumerista, colocando em situação de equilíbrio pessoas social e economicamente distintas, de forma que a revisão será cabível por simples ocorrência de onerosidade excessiva.

Vê-se, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor autoriza a revisão contratual, logo, este negócio jurídico extremamente desvantajoso ao consumidor pode ter seu desequilíbrio reparado pelo Poder Judiciário.

Importante destacar que não se trata de mero direito de arrependimento do consumidor em razão de investimento pouco lucrativo, pois as intempéries do mercado não estão em pauta, mas sim todos os pontos destacados neste artigo.

Por fim, como tendência de investimento coletivo, este modelo contratual demanda cuidado redobrado e maior clareza dos ofertantes do produto, do contrário, resta ao Judiciário restabelecer as partes à situação de igualdade em termos de informação e conscientização de riscos.

 

Por Bruna Braghetto, sócia advogada no Pallotta, Martins e Advogados. Pós Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e cursando MBA em Direito Corporativo e Compliance. 

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