O coronavírus e os sintomas do fim da contribuição sindical obrigatória

  • Em 30 de abril de 2020

A Covid-19 fez emergir, juntamente com tantas outras discussões, como a dos reflexos na saúde e na economia dessa pandemia, a questão sindical no Brasil. Podemos dizer que tem sido um efeito colateral dos remédios propostos pelo Governo Federal para combater o desemprego que ameaça o povo brasileiro.

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Mais especificamente podemos nos referir à Medida Provisória 936/2020 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre as medidas trabalhistas complementares que poderiam ser adotadas para o enfrentamento do estado de calamidade pública, dentre elas a redução proporcional da jornada de trabalho e salário por até 90 dias e a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, ambos através de acordo individual direto com o trabalhador.

Por não concordar com essa possibilidade, o partido político Rede Sustentabilidade requereu no âmbito do Supremo Tribunal Federal a medida cautelar em sede de ação direta de inconstitucionalidade para inviabilizar os trechos da referida medida provisória que permitam a negociação individual para tratar de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho.

Nos termos da MP, esses instrumentos individuais deveriam apenas ser comunicados pelos empregadores aos respectivos sindicatos laborais, sem a necessidade de aprovação ou negociação coletiva prévia.

O entendimento do referido partido político é no sentido de que a MP 936/2020 viola os arts. 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição, já que historicamente a redução de salários e jornada sempre decorreram de negociação coletiva prévia.

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O Ministro Ricardo Lewandowski, na ânsia de achar uma solução que pudesse atender tanto a questão constitucional suscitada, quanto à viabilidade de manutenção de empregos em situação de força maior, acabou deferindo em parte a cautelar para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho […] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.

 

O principal problema da decisão foi a menção expressa ao artigo 617 CLT na sua fundamentação, o qual prevê o cumprimento de algumas formalidades de prazo e comunicação de entidades sindicais, federações e confederações que acabaram gerando enorme insegurança jurídica nas empresas que pretendiam usar o mecanismo da medida provisória para manter os postos de trabalhos e uma oportunidade para que os sintomas de uma “reforma sindical capenga”, tal qual vimos com a reforma trabalhista de 2017, começassem a aparecer.

 

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Ao condicionar os efeitos de acordos individuais para redução proporcional de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho à manifestação expressa dos sindicatos, o ministro pode não ter deixado alternativas para os empregadores, já que a formalização tal qual a interpretação da decisão cautelar e o respeito aos prazos do art. 617 da CLT em situação de calamidade pública e força maior não parece razoável e, mais do que isso, praticável.

Mesmo após a decisão do Ministro Lewandowski ao rejeitar embargos de declaração da Advocacia Geral da União, nos termos da qual os acordos individuais têm vigência imediata e permanecem válidos durante o prazo de dez dias para comunicação aos sindicatos, a insegurança na adoção deste tipo de remédio permanece latente e desestimula a sua utilização.

Sabendo disso, começaram a surgir as denúncias de que alguns sindicatos, de má-fé, enxergaram na decisão do Supremo uma oportunidade de fortalecer os seus combalidos cofres. Temos exemplos que vão desde cobrança de taxas para homologação dos acordos individuais até minutas express de negociação coletiva mediante pagamento, os quais “garantem” a aplicação da medida provisória.

 

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Essa é uma realidade triste e que devemos enfrentar, já que com a reforma trabalhista e o fim da contribuição sindical obrigatória muitos sindicatos estão em vias de desaparecer já que perderam boa parte das suas receitas e a principal fonte de sustento.

O fato é que a maioria dos trabalhadores não enxergava nos sindicatos profissionais uma representação efetiva para garantia de melhores condições de trabalho e, com isso, acabava por optar pela não associação e, com a reforma, poucos se manifestaram pela intenção de contribuir e financiar a existência dessas entidades. Reflexos de décadas de ausência de liberdade sindical plena no país!

O modelo de sindicalismo brasileiro que está previsto na Constituição baseia-se no tripé formado pela unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das entidades sindicais por meio da contribuição sindical. Sendo que, com a alteração da fonte de custeio pela reforma trabalhista de 2017 houve a desestabilização de um desses pilares e, consequentemente, da estrutura sindical como um todo.

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O reflexo dessa instabilidade é o desespero, sendo que desde o início de vigência da Lei nº 13.467/2017 permanece a briga pela manutenção da contribuição obrigatória, não existe outra porta de saída na visão dos sindicatos. A justificativa seria a de que o tripé constitucional do sindicalismo justificaria o recolhimento compulsório da contribuição.

Entretanto, da forma como está colocado em nosso Estado de Direito, na prática, a obrigatoriedade de recolhimento acaba por inviabilizar o próprio princípio da liberdade sindical prevista no art. 5°, II e XX e art. 8°, V da Constituição , já que a filiação ou associação deveriam ser a condição para fins de participação financeira do empregado no sindicato de sua categoria. Sendo que as decisões judiciais nas ações que discutem a manutenção da contribuição obrigatória tem sido nesse sentido para justificar a constitucionalidade do fim da compulsoriedade.

Acontece que, a liberdade sindical plena impõe não só a possibilidade de não se filiar ou contribuir para um determinado sindicato, mas também o direito do trabalhador de escolher de qual sindicato pretende fazer parte, bem como, e talvez a mais importante de todas as características, que o aproveitamento das negociações coletivas feitas pelos sindicatos beneficiem apenas os sindicalizados, como forma de estimular a filiação/associação e, por consequência, a contribuição em favor dos bons sindicatos profissionais.

Hoje não temos a possibilidade de mensuração ou, pelo menos, da demonstração de resultados do trabalho sindical. Isso porque a representação continua sendo obrigatória, ou seja, as negociações coletivas são aplicadas irrestritamente e por categoria profissional, bem como em razão da unicidade, que inviabiliza a coexistência de entidades representativas de uma mesma categoria e que possam concorrer entre si para arrebanhar representados e, assim, ganhar força.

Nesse contexto, temos as entidades sindicais que, de uma hora para outra, passaram a ter que lidar com o secamento da sua fonte de sustento, aqui no Brasil representada pela contribuição sindical obrigatória, a qual garantia recursos financeiros suficientes para a manutenção de suas estruturas e das ações em prol de seus representados.

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Essas entidades estão desesperadas pela sobrevivência e mal acostumadas em decorrência de todo período que sucedeu a Constituição de 1988, sem capacidade de reação e à espera de uma fórmula mágica que recomponha os seus cofres. Tudo isso reflete nesse tipo de ação que acima descrevemos, que visam arrecadar a todo custo em verdadeiro instinto de sobrevivência, é apenas mais um “sintoma” dessa “doença”.

Portanto, enquanto não for enfrentada de forma mais definitiva o modelo sindical no Brasil para que ele possa estar mais aderente ao princípio da liberdade, continuaremos a discutir a constitucionalidade da compulsoriedade contributiva e a ver situações como as descritas neste artigo, as quais decorrentes do coronavírus nesse momento, mas que mostram o desespero e despreparo de alguns sindicatos, incapazes de se reinventar e famintos por oportunidades de arrecadar.

É certo que o fim da contribuição sindical obrigatória, na prática, promoveu uma “capenga reforma sindical”, já que afetou diretamente um dos pilares do sindicalismo, o custeio. Entretanto, assim como tudo aquilo que não é simétrico, não pensar os demais pilares de sustentação do nosso modelo se mostra insuficiente para não só viabilizar a liberdade sindical plena, mas a própria existência dos sindicatos.

Esse pode ser mais um legado da pandemia do Covid-19 e da proliferação global do Coronavírus, a necessidade de urgentemente repensarmos o nosso modelo sindical e seus pilares constitucionais, sob pena de, se não o fizermos, em pouco tempo “condenarmos a morte” todos os sindicatos nacionais e nisso estão incluídos os bons sindicatos, que se propõe a ser uma importante ferramenta de intermediação e diálogo entre empresas e empregados.

 

Por Maurício Pallotta. Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Salesiano. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócio fundador do Pallotta, Martins e Advogados e da STLaw.

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