
O uso de Prontuário Médico como Prova em Reclamação Trabalhista nos Casos de Doença do Trabalho
- Em 4 de junho de 2024
A garantia ao sigilo médico é um dos pilares fundamentais da ética na medicina. No entanto, essa proteção enfrenta desafios significativos quando se trata de disputas trabalhistas envolvendo doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.
A questão central consiste em como equilibrar o direito do empregador ao contraditório e à ampla defesa em uma Reclamação Trabalhista em face da obrigação do médico do trabalho de manter a confidencialidade dos prontuários médicos de seus pacientes, que na situação em questão se tratam de empregados ou ex empregados.
O Código de Ética Médica (CEM), estabelecido pela Resolução CFM nº. 2217/2018, é claro ao vedar a disponibilização do prontuário médico ao empregador, exceto sob ordem judicial. Nos artigos 12, 13, 76, 85, 89 e 93, o sigilo do médico do trabalho é explicitamente protegido, que proíbe expressamente a disponibilização do prontuário pelo médico do trabalho ao empregador, sob pena de responsabilização do médico.
Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece, nos artigos 5º e 17, que dados relativos à saúde são considerados sensíveis, permitindo seu compartilhamento apenas com autorização do titular do dado. O artigo 89 do CEM autoriza a disponibilização do prontuário médico para atender ordem judicial ou para a própria defesa do médico, observando sempre o sigilo profissional.
Contudo, não é especificado no texto legal qual o meio mais seguro para o médico do trabalho cumprir a ordem judicial que trata a LGPD, considerando que o artigo 85 do CEM proíbe o médico de “permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.”
Assim, até a forma com que o médico deve cumprir a determinação judicial para apresentar o prontuário médico é omissa na LGPD, então é evidente que se for do interesse do empregado (titular do dado) o prontuário poderá ser apresentação na Reclamação Trabalhista, porém, quando se trata da defesa do empregador, os prontuário médico não poderá ser apresentado sem ordem judicial expressa, sob pena de violação do que dispõem o Código de Ética Médica, bem como uma possível responsabilização do médico do trabalho caso o faça.
Nos processos de competência da Justiça do Trabalho, todos os documentos devem ser apresentados com a defesa do empregador, conforme os artigos 847 e 848 da CLT. Então, quando a ação envolve acidente de trabalho ou doença ocupacional, o empregador muitas vezes não dispõe de provas documentais sobre a saúde do empregado, além dos documentos apresentados na petição inicial.
Para evitar prejuízos processuais e garantir o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, os Conselhos Regionais de Medicina orientam que, se solicitado judicialmente, o médico do trabalho entregue o prontuário de forma a não violar o disposto no artigo 85 do CEM. A entrega pode ser feita presencialmente ou por via eletrônica segura, como recomendado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS) em consulta publicada em 6 de dezembro de 2021.
O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, no Parecer CRM nº. 30/2015, sugeriu que as empresas formulem um requerimento ao juízo na contestação, para que o juiz solicite ao médico do trabalho a apresentação dos documentos. Nesta situação, caberá ao juiz estabelecer o meio pelo qual o prontuário será juntado ao processo.
O Conselho Federal de Medicina também publicou uma cartilha sobre a LGPD e a atuação do profissional da medicina, disponível desde 16 de agosto de 2021. Esse documento indica uma flexibilização do sigilo médico após a vigência da LGPD, permitindo o compartilhamento de dados em cumprimento da legislação, especialmente quando o interesse público prevalece sobre o interesse pessoal do titular.
Portanto, é recomendável que nas reclamações trabalhistas relacionadas a doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho, o empregador solicite, em sede de preliminar, que o juiz oficie o médico do trabalho para fornecer de forma sigilosa o prontuário médico. O modo de apresentação deverá ser definido pelo juízo, garantindo a utilização dos documentos na defesa sem violar o Código de Ética Médica.
Além disso, o artigo 189 do Código de Processo Civil permite que documentos sensíveis sejam tratados como sigilosos, sem a necessidade de o processo tramitar em segredo de justiça. Sendo assim, a vara do trabalho pode juntar o prontuário médico como “documento sigiloso”, restringindo o acesso às partes envolvidas no processo.
Em resumo, a questão do sigilo médico em face do direito à defesa nas reclamações trabalhistas exige um equilíbrio cuidadoso. A proteção da privacidade dos trabalhadores deve ser priorizada, mas sem comprometer o direito do empregador à ampla defesa. Utilizar mecanismos judiciais adequados para a apresentação sigilosa dos prontuários médicos é uma solução justa e eficiente, conciliando os direitos e deveres de todas as partes envolvidas.
Legendas “Zero” Juridiquês:
O texto trata-se de uma orientação aos médicos do trabalho e das empresas sobre a possibilidade de usar o prontuário médico em Reclamação Trabalhista.
Prontuário Médico: é o conjunto de documentos padronizados, ordenados e concisos, destinados ao registro de todas as informações referentes aos cuidados médicos e paramédicos prestados ao paciente.
Sigilo Médico: é a garantia de que todas as informações fornecidas durante um atendimento, medicação ou qualquer outra situação particular serão usadas apenas para o próprio tratamento do indivíduo.
Lei Geral de Proteção de Dados: foi promulgada para proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, e a livre formação da personalidade de cada indivíduo.
Como o PMA pode ajudar? O PMA tem expertise já consolidada no consultivo e contencioso trabalhista e previdenciário empresarial, o que possibilita uma análise multidisciplinar e prática do caso concreto, sem juridiquês. Assim, o PMA pode auxiliar as empresas nas Reclamações Trabalhistas, em especial as que discutem o nexo de causalidade.
Por Beatriz Moraes é advogada atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial, sócia do escritório Pallotta, Martins e Advogados, instrutora in company, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie.
0 Comentários