O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: observações práticas, benefícios e aspectos críticos.

  • Em 24 de maio de 2022

O novo CPC previu medidas para tornar os julgamentos mais céleres, uma delas é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Este incidente age diretamente em causas muito semelhantes, com teses jurídicas praticamente idênticas, que se repetem em milhares de processos. Nestes casos, enquanto a demanda não é pacificada, as partes são compelidas a ficar repetindo os mesmos argumentos em suas peças, em diversos processos diferentes, ao passo que os juízes são também obrigados a proferir diversas vezes a mesma decisão, surgindo daí  o risco da mesma questão ser decidida de forma diferente por distintos juízes, lembrando que o IRDR atém-se ao julgamento de questões de Direito, jamais questões fáticas.

Para resolver esta questão, o Código de Processo Civil previu no artigo 976 o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, onde qualquer das partes, o Ministério Público, a Defensoria Pública e juízes ou Relatores (de ofício), podem requerer ao presidente do tribunal a abertura do incidente.

Admitido o incidente, todos os processos do mesmo tribunal e com a mesma tese jurídica ficam suspensos por até 1 ano. Neste caso, um órgão colegiado do Tribunal irá uniformizar a tese, e será decidido conforme o regimento interno de cada tribunal.

Inclusive, caso a temática debatida for de repercussão nacional, é possível requerer ao STJ ou STF, conforme a matéria, a suspensão dos processos em âmbito nacional.

O entendimento que predomina é que esta matéria já deve ter sido inaugurada no Tribunal, através de uma ação originária ou recurso, este último o que mais comumente acontece, já que se trata de um incidente e não de uma ação autônoma.

Importante ressaltar que apesar dos processos ficarem suspensos, os juízes podem resolver providências urgentes.

Uma vez decidida a questão pelo órgão colegiado, o entendimento será aplicado a todos os processos idênticos da área de competência do tribunal.

Se, em determinado processo judicial, não for observado o que ficou decidido no incidente, cabe reclamação ao Tribunal, que fará valer a tese uniformizada. Sobre as demandas interpostas após a decisão do tema, caso contrárias ao julgamento do IRDR, poderão ter a improcedência declarada liminarmente; Caso esteja de acordo à tese uniformizada, poderá ter tutela de evidência deferida, dada à definitividade do tema.

Uma crítica contundente que se faz é que o IRDR não pode ser utilizado como gestão do processo judiciário, ou seja, não se deve usar estes mecanismos para a resolução em massa de processos, sem que se debruce sobre as peculiaridades dos casos concretos, pois do contrário não estaremos alcançando os fins constitucionais que se impõem para a jurisdição.

O Observatório Brasileiro de IRDRs realizou pesquisa sobre os dados de incidentes suscitados de 18 de março de 2016 a 15 de junho de 2018. Esta pesquisa, realizada pela Universidade de Direito de Ribeirão Preto da USP, concluiu que o Tribunal onde mais houve este tipo de incidente foi o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, num total de 172 incidentes.

Outro dado trazido pelo mencionado estudo é que, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apesar de não ter um número tão expressivo de proposituras, foi o órgão que mais admitiu tais incidentes.

O Tema mais recorrente, objeto dos incidentes, de acordo com o Observatório, é o Direito Administrativo, seguido por matérias de Direito Processual.

Também segundo este estudo, é praticamente inexistente a preocupação destes Tribunais com a representatividade do caso no qual se suscitou o IRDR. Isto porque deve haver um contraditório amplo, com participação da sociedade civil, de amicus curie[1] e de outros entes que queiram colaborar, e isso não tem acontecido na prática.

A discussão do tema extra autos, por entidades administrativas, através de consulta pública, é necessária para a criação de uma tese de vinculação obrigatória legítima, pois a participação da sociedade trará debates amadurecidos do tema, inclusive o reflexo político-econômico do assunto, que deverá ser levado em consideração por ocasião do julgamento.

Outra crítica que se faz ao instituto é o risco que traz o IRDR de criar a Federação forçada pelo Poder Judiciário, pois se as demandas repetitivas são julgadas no âmbito dos Tribunais de Justiça, os Recursos Especiais e Extraordinários não seriam admitidos, implicando no surgimento de normas regionais ou estaduais em temas constitucionais ou infraconstitucionais, criados pelos 27 Tribunais de Justiça Estaduais. Seria, portanto, o fim da discussão da constitucionalidade ou legalidade pelos Tribunais Superiores?

É certo que o intuito do legislador, através do IRDR, foi de assegurar tratamento isonômico aos jurisdicionados, prestigiando a segurança jurídica, a confiança, e permitindo o gerenciamento do significativo acervo do Judiciário. Todavia, não é possível que na busca desses objetivos haja o malferimento de garantias constitucionais e processuais das partes, necessitando que os atuantes do Poder Judiciário guardem pelos Direitos das partes, buscando pela correta aplicação da Justiça.

Contudo, caso corretamente aplicado, o Incidente se revela medida necessária para a uniformização da jurisprudência, recuperando a confiabilidade dos jurisdicionados no Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que traz celeridade pelo desafogamento das unidades judiciais pelos Tribunais do país.

 

[1] Amicus curiae ou amigo da corte ou também amigo do tribunal é uma expressão em Latim utilizada para designar uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para questões relevantes e de grande impacto.

 

 

Por Bruna Braghetto, Advogada, Palestrante e Instrutora In company. MBA em Direito Corporativo, Compliance e Pós-Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito. Graduação em Direito pela Universidade Católica de Santos.

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