Processos seletivos e vagas de empregos no metaverso

  • Em 9 de maio de 2022
Artigo publicado no Portal Conjur

 

Com o grande avanço da tecnologia e da aderência da população aos meios digitais, muitas coisas foram se moldando ao longo dos anos e não seria diferente com o ambiente de trabalho.

Inicialmente a estrutura do departamento pessoal e processos de seleção eram realizados de forma manual e presencial em sua grande maioria, uma vez que para ser selecionado para uma vaga, era necessário participar de entrevistas e dinâmicas, entregar documentos e realizar exames admissionais tudo de forma presencial, o bom e velho chamado “cara a cara”.

Porém, esse modelo antigo vem mudando cada vez mais, em sua grande maioria, por conta dos reflexos da pandemia do Covid-19, enfrentada mundialmente, que tornou inevitável a comunicação por meio virtual, diante do distanciamento social, e segundo porque haveria essa mudança fatalmente em pouco tempo, o que foi apenas catalisado por uma necessidade imprevista.

Assim, muitos dos processos que antes eram realizados de forma presencial, passaram a ser realizados preferencialmente de forma virtual, como a exemplo das entrevistas de emprego, que tiveram uma adesão significativa a partir do ano de 2020.

Frente a essas mudanças, estamos diante da publicação de vagas e realização de processos seletivos no metaverso, uma evolução das já amplamente utilizadas entrevistas online.

Mas o que seria esse tal “metaverso”? De forma simples, sem adentrar em fontes históricas e mais técnicas, o metaverso poderia ser explicado como um ambiente virtual de realidade aumentada, que funciona como um universo independente e digital, no qual são possíveis as relações interpessoais por meio de “avatares” (como se fosse personagens) criados pelos usuários dessa nova tecnologia.

Assim, diante da grande aderência da população, principalmente os mais jovens a essa novidade, grandes empresas vêm se colocando à frente desse novo modelo de contratação fruto da revolução digital, bem como os trabalhadores cada vez mais vêm buscando empresas antenadas e aderentes a essas novas modalidades de relacionamento.

Falando em processos seletivos disruptivos e inovadores podemos citar o caso da Ambev [1], que ganhou bastante notoriedade entre os entusiastas do metaverso.

Estamos falando da disponibilização de 300 vagas nas áreas de negócios, supply e tecnologia, sendo que três etapas do processo seletivo devem ocorrer de forma totalmente virtual. Assim foram denominadas pela empresa: 1) game “Além dos rótulos” (etapa de teste); 2) jornada dos sonhos (em que os candidatos enviam vídeos de apresentação); e 3) day challenge (etapa final).

Na última etapa, os candidatos selecionados são direcionados ao Ambev Expo, um ambiente da empresa no metaverso. Os inscritos são desafiados a construir seus personagens (avatares) e poderão encontrar informações sobre a empresa, além de interagir com funcionários virtuais e acessar dicas sobre o processo seletivo. Uma verdadeira mistura de entrevista on-line, gamification e realidade aumentada. Um combo avassalador para os amantes de novidades tecnológicas e experiência do usuário!

Saindo um pouco do caso específico da Ambev, poderíamos imaginar que se é possível a realização do processo seletivo dentro do metaverso, não seria algo de outro mundo, desculpem o trocadilho, imaginarmos que a formalização dos contratos de trabalho, que serão negociados e fechados de forma virtual, também possam ser para o desempenho de funções dentro do metaverso, que deverão ser amparados pelo regramento trabalhista, uma vez que o mundo virtual é movimentado e co-dependente do mundo físico, já que os avatares do metaverso são controlados por pessoas reais.

Desta forma, é fato inerente a todo processo de mudança que as dúvidas baseadas nas experiências antigas e incompatíveis com a nova realidade surjam. A celebração e execução de contratos de trabalho no mundo virtual é uma delas. Qual seria a legislação aplicada a esses contratos trabalhistas?

Imaginemos uma hipotética situação em que os servidores de uma empresa sediada fisicamente no Brasil, em São Paulo, estejam alocados no Vale do Silício. Vamos imaginar que se trate de uma concessionária de veículos vinculada a uma grande montadora sediada na Bahia. Que por meio desses servidores na Califórnia a empresa crie um ambiente de realidade aumentada no metaverso para expor e vender seus veículos de uma forma inovadora. E que para isso contrata vendedores indianos para atender, por meio de avatares, os seus clientes que estejam buscando uma nova experiência de compra totalmente virtual a partir de qualquer lugar do Brasil.

Parece cena de filme de ficção científica, não?

Qual seria a legislação trabalhista aplicável? A brasileira ou a americana? Qual convenção coletiva de trabalho seria aplicada caso cheguemos a conclusão pela aplicabilidade da CLT? Qual a base territorial desse empregado? Haveria o pagamento de horas noturnas em razão de fuso horário? Enfim, há muito o que se discutir!

Sabemos que, no caso da legislação trabalhista brasileira, poder-se-ia utilizar por analogia o princípio da norma mais favorável, artigo 3º, inciso II da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982, mas é muito cedo para qualquer conclusão, seria precipitado.

Pensando que a comunidade trabalhista ainda está se debruçando sobre o tema da contratação em plataformas, que recebeu a alcunha de uberização, e da constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente trazido pela reforma de 2017, o metaverso pode se tornar um verdadeiro pesadelo para aqueles que são mais resistentes quando o assunto é inovação e novas formas de relação de trabalho.

Diante dessa hype, que se tornou o metaverso, e do próprio estímulo a criação de experiências únicas para empregados mais disruptivos, podemos apostar que os processos seletivos e as contratações no metaverso serão ampliadas nos próximos anos, trazendo com elas novas diretrizes para uma nova forma de relacionamento no mundo virtual. E, com a evolução da tecnologia, as experiências virtuais serão cada vez mais reais, sendo possível pensar numa verdadeira revolução na forma como se dá hoje, por exemplo, o trabalho no formato de home office.

 

Aline Neves é advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho e Associada do Pallotta, Martins e Advogados.

Maurício Pallotta Rodrigues é graduado em Direito pelo Mackenzie, pós-graduado em Direito Previdenciário pela Unisal, mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial, palestrante, instrutor in company, docente convidado em instituições privadas (ESA Nacional, ESA São Paulo, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos), sócio fundador do escritório Pallotta, Martins e Advogados, autor do livro “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.

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