A RELEVÂNCIA DO COMPLIANCE NOS CONTRATOS

  • Em 24 de junho de 2021

 A abrangência do compliance nos contratos se mostra relevante na medida em que tais instrumentos são objetos de deveres e obrigações das empresas e podem, em todas as suas fases, se revelar meios de execução de fraudes.

Portanto, é importante a atuação do compliance em todo tipo de contrato que envolva a empresa diretamente ou que possa afetar seus negócios. Ex: contratos empresariais, contratos que instrumentalizam operações e arranjos societários, contratos de direito privado, contratos de direito público e contratos de trabalho.

Para se ter uma ideia do quanto os contratos podem impactar negativamente a empresa envolvida, fatos jornalísticos demonstram cabalmente esta situação.

Nas investigações da operação lava-jato, da Polícia Federal, descobriu-se que uma conhecida empresa da indústria de alimentos, em 2014, pagou propina a político por meio de contratos simulados com o IBOPE[1]. Talvez, juridicamente aquele contrato estivesse regular, contudo, uma análise profunda de compliance pudesse evitar o crime.

Mudando o enfoque do contrato, é cada vez mais necessária a previsão de cláusulas em contratos de trabalho que prevejam a forma como a empresa irá lidar com escândalos na mídia envolvendo seus funcionários, o que vai variar conforme suas regras de governança corporativa.

Exemplificando, neste caso, um brasileiro na Copa do Mundo de 2.018 assediou cidadã russa e descobriu-se, posteriormente, que ele trabalhava em uma companhia aérea local. A empresa passou a ser alvo de ataques na internet e decidiu por demitir o funcionário, divulgando a seguinte nota à imprensa: “Repudiamos veementemente qualquer tipo de ofensa e prática discriminatória e reforçamos que qualquer opinião que contrarie o respeito não reflete os valores e os princípios da empresa”.[2]

Na Pesquisa Global sobre Fraudes e Crimes Econômicos de 2.018, revelou-se que, no Brasil e no Mundo, o agente interno é o principal autor de crimes mais graves nas empresas, veja o gráfico[3]:

 

A mesma pesquisa revelou que 63% dos agentes externos de fraudes eram “falsos amigos” da organização, intermediários, fornecedores, provedores de serviços compartilhados e clientes.

Tais dados demonstram os elementos de risco e onde apoiar e intensificar o processo de compliance da empresa, dando ênfase ao fator humano: o contratante na qualidade de preposto da empresa (agente interno) e o contratado (agente externo) são os principais responsáveis pelas fraudes e crimes econômicos.

Em que pese tais evidências, a mesma pesquisa demonstrou que menos da metade de todas as organizações realizaram avaliações de risco específica nos últimos dois anos (antecedentes a 2.018), o que talvez justifique o fato do Brasil ocupar lugar de destaque no principal ranking mundial de corrupção, segundo relatório divulgado em 2.021 pela ONG Transparência Internacional.

Sem dúvidas, a mitigação de fraudes e prejuízos deve se iniciar na seara dos contratos, com três enfoques principais:

  • O contrato como instrumento de compliance: o contrato funciona como resposta a um risco;
  • O compliance dos contratos: conformidade dos contratos às determinações legais, de governança corporativa e de ética empresarial;
  • Compliance no processo de contratação: análise do processo de contratação de forma a conferir segurança.

 

O contrato e as suas cláusulas serão um reflexo das regras de governança corporativa da empresa, bem como sua visão, missão e valores. Pode haver empresas com regras de condutas mais rígidas, outras mais elásticas, o que vai variar de acordo com seu Apetite de Risco, ou seja, o nível de risco que uma organização está disposta a aceitar enquanto persegue seus objetivos. O Guia ISO 73:2009 define o Apetite ao Risco como sendo a “quantidade e tipo de risco que uma organização está disposta a buscar, manter ou assumir”.

O momento contratual de atuação mais intensa do compliance é a fase pré-contratual: aquela que envolve a área demandante e o departamento de compras. É importante que haja objetividade e padronização de produtos ou serviços requisitados, presença de travas internas para afastar preferências injustificadas da área demandante, no sentido de evitar o desvio.

A fase da due diligence do fornecedor é essencial, pois é o momento de análise negocial e econômica. Há sistemas de mercado que fazem due diligence, porém, a recomendação é feita internamente pela empresa com base nas informações trazidas pelo programa.

A governança corporativa da empresa irá definir os critérios de due diligence. O que é relevante para a empresa saber, qual o objetivo?

A  matriz de risco desenvolvida pela empresa irá priorizar os resultados para uma due diligence efetiva, de acordo com os pontos de risco mais sensíveis para a organização. A recomendação assertiva advém da categorização dos riscos.

A essencialidade do produto na cadeia de produção da empresa também irá definir o que é negociável ou não e que tipo de fornecedor não poderá ser admitido com base nessa análise. Aqui o risco é a interrupção da cadeia produtiva, o quanto a empresa está disposta a arriscar? O nível de criticidade será atribuído pela alta administração da empresa aos pontos que entende relevantes ou não.

É recomendável que a visita ao fornecedor seja realizada em comissão, desaconselhável a visita por um único funcionário da empresa. Além disso, a visita deve ser documentada com fotos.

Não menos importante é a checagem da árvore societária do fornecedor. Muitas vezes os sócios estão interligados em empresas concorrentes, favorecendo, além de fraudes, o cartel. Observem que os sistemas de due diligence não fazem checagem da árvore societária do terceiro nível em diante.

Mais um nível de segurança no contrato é a inclusão de cláusula anticorrupção da CCI, onde as partes se comprometem a cumprir com as Diretivas da CCI[4] para o Combate à Corrupção ou se comprometem a por em prática e a manter um programa de corporate compliance anticorrupção.

Contudo, tais cláusulas são genéricas, motivo pelo qual é recomendável que haja previsão contratual de proibição para a empresa fornecedora de  trabalho escravo, infantil, obrigatoriedade de origem lícita de seus produtos, cuidados ambientais, previsão de conduta em caso de envolvimento em qualquer tipo de desvio ou escândalo em mídia.

Concluindo, a própria empresa irá definir através de seus critérios de governança corporativa a sua política contratual, porém, a  onipresença da tecnologia e o crescimento silencioso da fraude obrigam as organizações a manterem controles cada vez mais rígidos e com maior investimento nas áreas de compliance, para uma mitigação e tratamento efetivos de crimes e fraudes.

 

Por Bruna Braghetto, sócia advogada no Pallotta, Martins e Advogados. Pós Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e cursando MBA em Direito Corporativo e Compliance. 

 

 

[1] JBS pagou propina a Renan por meio de contrato com o Ibope, diz delator. Folha de São Paulo, 2.017.Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/05/1887480-jbs-pagou-propina-a-renan-por-meio-de-contrato-com-o-ibope-diz-delator.shtml>. Acesso em: 30/05/2021.

[2] Homem que assediou mulher na Rússia é funcionário da Latam. Veja, 2.018. Disponível em <https://veja.abril.com.br/blog/radar/homem-que-assediou-mulher-na-russia-e-funcionario-da-latam/>. Acesso em 30/05/2021.

[3] Pesquisa Global sobre Fraudes e Crimes Econômicos 2018. Quatro ações que a sua empresa deve executar agora para se proteger. Disponível em: < https://www.pwc.com.br/pt/gecs2018.html>. Acesso em 30/05/2021.

[4] A Câmara Internacional do Comércio — CCI é uma organização internacional não governamental que trabalha para promover e assessorar o comércio internacional e a globalização.

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