Data Driven Publicity – Impactos da LGPD na publicidade online

  • Em 2 de março de 2021

O mundo do marketing é, definitivamente, um dos setores mais impactados pela vigência da Lei Geral de Proteção de Dados.

Não é à toa que um escândalo envolvendo marketing político foi forte motivador para o surgimento, em 2016, da General Data Protection Regulation (GDPR), o regulamento do direito europeu sobre privacidade e proteção de dados pessoais, aplicável a todos os indivíduos na União Europeia e Espaço Econômico Europeu.

Este escândalo envolveu Facebook x Cambridge Analytica[1] e consistia em um teste psicológico realizado no Facebook pelo usuário que reunia seus dados, tais como nome, e-mail, endereço, hábitos na internet, gostos pessoais e outras informações que não chegaram nem a ser divulgadas. A partir de então, traçava-se um perfil comportamental do indivíduo e produzia-se conteúdo para manipular a opinião política da população através de estratégia de targeting[2].  Este incidente resultou no vazamento de dados de 87 milhões de usuários da rede social.

O marketing digital, mais especificamente o guiado por dados de usuários conforme padrões traçados a partir de rastros digitais deixados pelo usuário no Big Data e capturados por algoritmos bem treinados revolucionou o mercado de publicidade no mundo, no Brasil não é diferente.

Conforme exemplo dado pelo professor Maurício Pallotta em curso de LGPD nas Relações de Trabalho, em suas palavras: “fazendo uma analogia com a pescaria, é como se antes, com o marketing tradicional, estivéssemos pescando em alto-mar e, com o fenômeno data driven, passamos a fazer a mesma pescaria em um tanque de pesque-pague. Explico: antes as empresas de publicidade precisavam investir uma quantia imensa de dinheiro para viabilizar que o maior número de pessoas acessassem a sua propaganda (painéis e regiões de grande circulação de pessoas, comerciais em horário nobre de emissoras com muita audiência, contratação de celebridades, etc…), aumentar o topo do tal funil de vendas, com o marketing guiado por dados é possível “montar” o perfil do consumidor e oferecer o meu produto apenas para potenciais consumidores. É como jogar a minha isca no tanque de um pesque-pague repleto de peixes sedentos por comida…”

Pois bem, neste cenário de avanço da tecnologia da informação, velocidade de circulação de dados e facilidade de sua obtenção na rede mundial de computadores, surgiu, no Brasil, a LGPD para, também, parametrizar as ações de marketing e impor limites nas ofertas de produtos e serviços de forma direta e indireta aos consumidores, trazendo diversas dúvidas sobre o futuro do ramo.

Porém, passada a tensão e insegurança sobre qual postura adotar, é possível adequar-se à lei sem que isso prejudique as estratégias de marketing de sua empresa, e é sobre isso que veremos a seguir.

De início, é importante saber que toda a publicidade que envolva dados pessoais necessita ter uma base legal na LGPD que permita o tratamento dos dados dos consumidores. A LGPD elenca dez possibilidades, porém, para o mundo do marketing duas são primordiais: consentimento e legítimo interesse.

consentimento significa uma manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada. Vale ressaltar que o consentimento genérico, sem uma finalidade específica, não é considerado válido pela nossa lei. Além disso, outros pontos dessa frase merecem atenção:

  1. manifestação livre: o usuário deve concordar afirmativamente – no jargão
    da indústria, é um regime de opt-in, e não opt-out;
  2. manifestação informada: deve haver meios para que o usuário compreenda de que forma serão tratados seus dados e para quais finalidades;
  3.  manifestação inequívoca: ainda que a manifestação não precise ser expressa, deve haver meios para comprovar que não há dúvidas da escolha do usuário a respeito do tratamento de dados.

Duas maneiras práticas permitem a obtenção do consentimento do consumidor conforme a lei:

  • Se você é um site, aplicativo ou rede social e requer que o usuário realize um cadastro antes de usar o seu serviço, você pode obter o consentimento por meio de um opt-inem uma política de privacidade, que deve ter disposições razoáveis, claras e bem escritas sobre como e para que finalidades específicas você irá utilizar os dados do usuário, incluindo como o usuário pode exercer seus direitos;
  • Agora, se você é um portal e, em geral, não exige que os usuários realizem um cadastro para usar seu site, você pode obter o consentimento por meio de um aviso de cookies (cookies são considerados dados pessoais tanto pela LGPD quanto pela GDPR, assim como qualquer outra tecnologia que atribua um identificador único, mesmo que aleatório, a um usuário).

 

Atenção para aspectos primordiais que não devem ser relegados pelo setor de mídia:

 

  • Não se deve começar a coletar dados pessoais antes do consentimento do usuário;
  • Não se deve coletar dados além daqueles para os quais foi dado o consentimento;
  • A política de privacidade e o aviso de cookies devem ser explícitos, claros e detalhando a finalidade específica de seus usos;
  • O modelo deve ser sempre de opt-in, o usuário deve concordar afirmativamente com aquela política;
  • Os usuários devem ter fácil acesso e controle sob o uso de seus dados, respeitando seus direitos a acesso, correção, portabilidade, exclusão e revogação do consentimento.

 

Sem dúvidas, o consentimento obtido através do cadastramento é mais atrativo do que a política de cookies, contudo, depender apenas do consentimento resultaria em um mercado pouco competitivo, se comparada a confiabilidade de grandes players do com novas empresas e startups. Portanto, a base legal do legítimo interesse impede o retrocesso do mercado, e importante deixar claro que o consentimento não se sobrepõe àquela, tudo depende apenas de identificar a base legal mais adequada ao caso concreto.

 

A LGPD é muito clara ao prever que o legítimo interesse pode, inclusive, legitimar e autorizar o tratamento de dados pessoais com os fins de apoio e promoção das atividades de uma empresa e, logo, a realização de publicidade, impondo certos limites, tais como:

 

  • Avaliação de legitimidade: Existe uma situação concreta? O interesse da empresa é legítimo, claro, lícito e proporcional?
  • Avaliação de necessidade: Existe alguma outra base legal na LGPD que seria mais adequada? Apenas os dados estritamente necessários para a finalidade pretendida estão sendo coletados?
  • Regra de balanceamento: O uso de dados está dentro da legítima expectativa do usuário? Os direitos e liberdades fundamentais do usuário estão sendo preservados?

 

As previsões acima relacionam-se com o marketing direto, onde há uma relação prévia com o cliente. É razoável estar na expectativa do consumidor de determinado site de e-commerce receber anúncios de seus produtos, ou sugestão de vídeos de site recorrentemente visitado. Contudo, não significa dizer que o legítimo interesse não possa se enquadrar em situações de marketing indireto, aquela onde não há relação prévia com o consumidor. Vejamos análise abaixo:

  1. Legitimidade. Anunciantes, agências, adtechs[1] e veículos possuem um claro interesse no uso de dados pessoais como parte dos bid requests, já que, caso não houvesse esse uso, o retorno sobre investimento seria certamente menor. E tal prática de marketing não é vedada pela legislação, sendo, portanto, lícita;
  2. Necessidade. O consentimento, como vimos acima, nem sempre será possível de se obter; entretanto, sem dados pessoais, as empresas não seriam capazes de entender as preferências dos usuários, e isso resultaria em um ciclo vicioso em que os anúncios seriam menos relevantes para os usuários, gerando menos cliques e conversões, o que levaria a menores receitas com publicidade e, potencialmente, menos conteúdo gratuito à disposição dos usuários; portanto, é necessário tratar tais dados pessoais para uma efetiva entrega de conteúdo direcionado;
  3. Balanceamento. Há uma razoável expectativa dos usuário de que portais e aplicativos gratuitos são sustentados pela publicidade

Sem dúvidas, a base legal do legítimo interesse traz um desafio ao setor de marketing, principalmente porque não é qualquer situação indiscriminada que poderá ser enquadrada nesta hipótese. É necessário analisar quais dados estão sendo capturados e que realmente agregam valor para os usuários, uma verdadeira chance de repensar conceitos de transparência e controle.

Trata-se de um momento desafiador que exige responsabilidade do governo, empresas e sociedade civil na busca de um equilíbrio entre a publicidade online que trouxe tantos benefícios sociais e até econômicos do ponto de vista concorrencial e a adequação à LGPD, em direção a um ecossistema de publicidade digital baseado em boas práticas e segurança aos consumidores.

 

[1] Cambridge Analytica, Ltd. foi uma empresa privada que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral. Foi criada em 2013, como um desdobramento de sua controladora britânica, a SCL Group para participar da política estadunidense

[2] No marketing, esse termo abrange tanto o público-alvo como também o mercado que se quer atingir, quanto os objetivos gerais a que se quer chegar com a estratégia de comunicação. Conhecer e compreender o seu target, é uma das fases para todo um processo, que tem como objetivo a efetivação da venda do produto ou serviço.

[1] As AdTechs são aplicações ideais para campanhas simples e rápidas das organizações, sem a necessidade de segmentação profunda. Assim, o seu foco é chamar o público desconhecido, ainda não definido. Ou seja, há uma segmentação mais geral. Essa personalização ocorre com dados comportamentais e características dos usuários na web, por meio de cookies. Dessa maneira, é possível definir as pessoas mais prováveis para cada tipo de estratégia.

 

Por Bruna Braghetto, sócia advogada no Pallotta, Martins e Advogados. Pós Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e cursando MBA em Direito Corporativo e Compliance. 

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