FAP – Mecanismo de redução de carga tributária a ser observado pelas empresas

  • Em 27 de fevereiro de 2020

“O controle do FAP não se resume a um ato isolado de contestação que acontece uma vez por ano, mas de uma gestão que deve ser considerada enquanto mecanismo de redução de carga tributária a ser permanentemente observada pelas empresas.”

 

O Fator Acidentário de Prevenção – FAP é um multiplicador composto anualmente pelo Ministério da Economia com base nos dados dos 2 anos anteriores e no histórico acidentário das empresas, o qual varia de 0,5000 a 2,0000. É calculado por estabelecimento comercial e aplicado em conjunto com o Risco Ambiental do Trabalho – RAT, que são alíquotas de tarifação coletiva por subclasse econômica que variam de 1% a 3%, conforme o risco oferecido aos trabalhadores. O RAT, por sua vez, é incidente sobre a folha de salários das empresas para custear aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de acidentes de trabalho.

Pela metodologia do FAP, as empresas que registrarem maior número de acidentes ou doenças ocupacionais, pagam mais o RAT. Por outro lado, existe uma bonificação das empresas que registram menos acidentes e doenças ocupacionais, sendo possível reduzir até pela metade a tributação.

Acontece que, para apuração desse multiplicador sobre o RAT, o Ministério da Economia leva em consideração alguns fatores, os quais podem ser entendidos como ilegais em si ou levando em consideração outras circunstâncias periféricas. Muitas empresas sequer conhecem a metodologia de apuração e outras tantas ignoram as possibilidades de redução da carga fiscal sobre folha de pagamento através de políticas de gestão do FAP e contestação administrativa.

Ademais, é um erro pensar que o FAP mereça atenção apenas no período de sua contestação (novembro de cada ano), posto que um planejamento bem feito, assim como a revisão daquilo que foi feito nos anos pretéritos podem gerar redução do RAT e até mesmo créditos compensáveis.

No presente artigo, vamos abordar quatro questões que devem ser observadas pelas empresas e que podem algumas delas ser objeto, inclusive, de medida judicial visando a recuperação de créditos fruto de eventos passados.

 

FAP POR FILIAL RETROATIVO

Até 2015 o FAP era calculado de modo único e aplicado para todos os estabelecimentos de uma empresa indiscriminadamente. Em outras palavras, se apurava o multiplicador levando em consideração toda a sinistralidade empresarial sem considerar o montante que cada estabelecimento eventualmente havia contribuído para o aumento ou redução de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.

Ex.: A Empresa X tem 2 estabelecimentos comerciais (matriz e filial), cada um com 10 empregados. Pelas regras anteriores, caso houvessem ocorrido acidentes de trabalho apenas na filial, a baixa sinistralidade da matriz não teria bonificação, na medida em que o FAP seria calculado para ambos os estabelecimentos considerando os acidentes da filial.

Isso acabava por gerar distorções contributivas, na medida em que o FAP transparece os seus reflexos na aplicação em conjunto com o RAT, o qual é aplicado por estabelecimentos conforme, inclusive, consta da Súmula 351 do STJ.

Diante disso e da pressão exercida pela comunidade empresária, em 24/09/2015 foi editada a Resolução 1.327 da Previdência Social que determinou o cálculo do FAP por estabelecimento a partir da vigência seguinte em 2016.

Em que pese a adequação a partir do ano de 2016, é certo que desde 2010 até 2015 a regra vigente acabou por repercutir seus efeitos, muitas vezes negativamente, ao longo desse período.

Empresas ingressaram judicialmente, antes mesmo da Resolução mencionada, buscando essa correção na metodologia FAP-RAT, sendo que o STF se posicionou favoravelmente em diversos julgados 1 e a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, através da Nota 65/2018, acabou reconhecendo esse direito do contribuinte.

Claro que esse cálculo conjunto do FAP, em alguns casos, poderia ser positivo para as empresas,

já que também se somavam os critérios de diluição da sinistralidade, tais como massa salarial e média de vínculos. Em que pese não ser objeto desse artigo, em caso de eventual discussão judicial deve-se levar em consideração esse ponto antes da tomada de qualquer decisão.

Importante salientar ainda que, como o que se vai discutir é a aplicação mensal do tributo RAT sobre folha de pagamento, na medida em que foi ele que fez transcender os impactos da aplicação do FAP geral, se deve observar a regra de prescrição tributária, a qual é de 5 anos, conforme preconiza o art. 174 do CTN. Portanto, para as empresas que nunca propuseram qualquer medida interruptiva da prescrição, resta apenas o RAT aplicado ao longo de 2015 a ser discutido. Sendo de suma importância a adoção de medida imediata, já que todo mês uma prestação será corroída pela prescrição.

 

RETROAÇÃO DAS REGRAS DE EXCLUSÃO DAS CAT’S DE TRAJETO

Outro ponto que também foi objeto de muita discussão desde a sua implantação da sistemática contributiva do FAP-RAT foi a legalidade da utilização dos acidentes de trajeto para fins de medição da sinistralidade de um estabelecimento comercial.

Isso porque, em que pese durante muito tempo esse tipo de acidente haver sido considerado como sendo decorrente do trabalho para fins trabalhistas, a metodologia do FAP deveria, em essência, medir o grau de risco da companhia, sendo que no trajeto casa-trabalho-casa existem outros tantos fatores que fogem da alçada e controle empresarial.

Diante desse impasse, a metodologia do cálculo do FAP teve, dentre outras alterações, que passaram a valer para o FAP com vigência em 2018. As mudanças vieram através da Resolução 1.329 do Conselho Nacional de Previdência – CNP, publicada no Diário Oficial da União no dia 25 de abril de 2017.

Em relação aos acidentes de trajeto, os mesmos foram retirados do cálculo do FAP, na medida em que o CNP passou a entender que a inclusão desses acidentes não diferenciava a acidentalidade dentro e fora da empresa, bem como não havia qualquer ingerência do empregador sobre os acidentes de trajeto. Sendo assim, conforme vimos também em relação à aplicação do FAP por filial, com a alteração administrativa do critério de apuração se fortalece a possibilidade de discussão retroativa desse item na apuração dos FAP’s aplicados até 2017, os quais consideraram os acidentes de trajeto como fonte de majoração da sinistralidade e, por consequência, da carga tributária.

Da mesma forma que no item anterior, já existem entendimentos judiciais favoráveis a tese, e o quanto antes sejam adotadas medidas judiciais para discussão da legalidade desse critério no período de 2010-2017 menor será o impacto da prescrição.

Por fim, além de passar um pente fino nos anos passados, importante que as empresas se atentem para esse critério no momento de elaborar as suas contestações anuais do FAP, já que

não é incomum o INSS se utilizar desses acidentes de trajeto mesmo após a Resolução do CNP, seja por erro da própria autarquia ou da empresa no preenchimento das CAT’s.

 

BLOQUEIO DE ROTATIVIDADE

Estabelece a Resolução 1.329/2017 do CNP que não será concedida a bonificação para os estabelecimentos com FAP abaixo de 1,0000 nos casos em que este tiver taxa média de rotatividade superior a 75%.

A taxa média de rotatividade consiste na média bianual da razão entre o número de admissões ou de rescisões (considerando-se sempre o menor), sobre o número de vínculos no estabelecimento no início de cada ano de apuração. A justificativa para a inserção desse critério na apuração do FAP, segundo o Ministério da Economia, seria para evitar que os estabelecimentos que mantêm por mais tempo os seus trabalhadores sejam prejudicados por assumirem toda a acidentalidade, enquanto os estabelecimentos que demitem os empregados acidentados fossem beneficiados pela ausência de “sinistros” no período de apuração.

São usadas neste cálculo apenas as rescisões sem justa causa, inclusive a rescisão antecipada de contrato a termo e a rescisão por término de contrato a termo. Parece justa tal metodologia, até como incentivo à reabilitação de profissionais que regressam de acidentes. Entretanto, a Resolução também deixa claro que devem ser excluídas desse cálculo de rotatividade as admissões que representarem apenas crescimento e as rescisões que representarem diminuição do número de trabalhadores do respectivo CNPJ.

Diante disso, é importante as empresas ficarem atentas na contestação anualmente para se certificar de que os dados utilizados na apuração da rotatividade estão corretos em caso de bloqueio de bonificação, bem como adotar políticas de contratação compatíveis com o seu negócio e que não aumentem o risco de bloqueio de bonificação do FAP.

Caso tenha havido bloqueio de bonificação no passado é importante, igualmente, fazer a recomposição do cálculo para certificar-se que não foram utilizados no cômputo rescisões por justa causa ou decorrentes do enxugamento da atividade empresarial, bem como as admissões fruto do crescimento da empresa. É muito comum o INSS utilizar esses eventos como se tratasse tudo da mesma coisa.

Por fim, a verificação dos eventuais bloqueios de bonificação que tenham sido aplicados nos anos anteriores pode servir de lastro para a propositura de medida judicial discutindo a regularidade na utilização dos dados trabalhistas de admissão e demissão de funcionários com o intuito de recuperar crédito de RAT indevido ou a maior.

 

 

NÃO APLICAÇÃO DE BONIFICAÇÃO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO NO

PERÍODO DE APURAÇÃO

Nos termos da Resolução do CNP vigente, para o cálculo anual do FAP são utilizados os dados dos dois anos imediatamente anteriores ao ano de processamento, ou seja, o FAP de 2021 será calculado com base nos dados extraídos de 2018 e 2019, já que o mesmo é processado em 2020.

Na mesma resolução existe uma regra para os novos estabelecimentos constituídos após janeiro de 2007, segundo a qual o FAP desse tipo de estabelecimento deve ser calculado apenas no ano seguinte ao que completar dois anos de constituição. Sendo que, até isso ocorrer, o FAP é, por definição, igual a 1,0000 independentemente da sinistralidade.

Nesse aspecto em específico entendo haver margem para discussão de sua legalidade/ constitucionalidade, em especial quando se pode comprovar que após o encerramento do período legal o cálculo do FAP tenha apontado pela bonificação do estabelecimento.

Se formos pensar através de uma ótica de capacidade contributiva, isonomia, não-confisco e, talvez, legalidade, essa regra parece capaz de gerar distorções. Logicamente que nos parece que o legislador quis dar uma simplificada no seu trabalho na apuração do FAP desse tipo de estabelecimento novo, ocorre que, a partir do momento em que se criou as regras de bonificação e punição por sinistralidade, o valor mínimo do RAT foi, na prática, reduzido pela metade e isso traz consequências jurídicas.

Nesses casos especificamente é cabível, também, a discussão judicial da aplicação dessa regra, na medida em que inúmeras empresas são penalizadas pela aplicação “majorada” do RAT (sem a bonificação) no momento mais crítico de suas vidas, os primeiros 2 anos de existência, quando boa parte dos novos empreendimento são encerrados em razão de não prosperarem.

Não existe em nosso ordenamento jurídico previdenciário a previsão de norma que determine o tratamento diferenciado dos novos estabelecimentos para fins de apuração do FAP/ RAT e, ainda que isso fosse possível, em razão da isonomia e da capacidade contributiva, a eventual diferença de tratamento para esses estabelecimentos deveria ser em benefício e jamais para prejudicá-los.

Além do fato que, em se tratando o RAT de um tributo com destinação específica para o custeio de benefícios por incapacidade e aposentadoria especial, em não havendo esse tipo de concessão de benefício no biênio utilizado na apuração do FAP, a não aplicação desse multiplicador em seu patamar mínimo pode ser interpretado como verdadeiro confisco tributário.

Portanto, além dos aspectos anteriores que já possuem farto suporte jurisprudencial para discussão, as empresas devem se atentar para a possibilidade de discussão da legalidade desse critério nos anos anteriores, já que os reflexos e oportunidade de crédito podem ser interessantes.

Assim, o que se pretende com o presente artigo é deixar claro que o controle do FAP não se resume a um ato isolado de contestação que acontece uma vez por ano, mas de uma gestão que deve ser considerada enquanto mecanismo de redução de carga tributária a ser permanentemente observada pelas empresas.

 

NOTA

1 AgRg noAREsp 436.418-RS, REsp 1408.227-SC, REsp 1.496.360-SC, AREsp 718.272-RS e REsp 1.408.711-SC.

 

MAURICIO PALLOTTA RODRIGUES – Mestre em Direito do Trabalho pela USP e sócio do escritório Pallotta, Martins e Advogados.

 

Baixe aqui o PDF da matéria.

0 Comentários

rararararararafvcx vzxcsdzxvc