O conflito entre as gerações, a tecnologia e as leis do trabalho

  • Em 21 de novembro de 2018
Entrevista com sócio Dr. Mauricio Pallotta para a Revista Conceito Trabalhista

Há muito se discute as diferenças e conflitos existentes entre as gerações. Basicamente, os que se dedicam a estudar essas características humanas decorrentes do momento histórico em que as pessoas são ou estão inseridas na sociedade, buscam entender melhor como se relacionar com esses indivíduos, seja no mercado de consumo ou no de trabalho.

As gerações Y (Millenials) e Z (Centennials) já são a maioria e em pouco tempo vão representar a integralidade de mercado de trabalho e, consequentemente, vão ditar a forma como serão direcionadas as relações entre empregados e empregadores.

Por se tratarem de gerações totalmente adaptadas às ferramentas tecnológicas, inclusive os Zs, por já terem nascidos inseridos nesse sistema, não enxergam as barreiras entre o mundo online e offline. Isso significa que certamente muitas das questões que hoje são engessadas dentro das estruturas corporativas vão ter que mudar, se adaptar às novas realidades.

Essas gerações valorizam as suas carreiras, mas não têm nelas um fim em si mesmo, pois buscam encontrar significado e prazer naquilo que fazem. A estruturação hierárquica, outrora representada pelo temor reverencial, migram para uma necessidade de entender o porquê de seguir determinadas “ordens” vindas daqueles que em determinado momento estão “no comando”.

As gerações são bem informadas, ansiosas e impacientes com o excesso de direção. Procuram conciliar as responsabilidades com o seu bem-estar, ao contrário dos workaholics frutos da geração X, ainda presentes em grande número no mercado de trabalho e principal causa de conflito com as novas gerações.

Os Xs são muito mais competitivos, materialistas e individualistas, de modo a justificar o seu empenho no trabalho, representado pelas longas e exaustivas jornadas, pela cultura da “hora extra”. São aficionados pelo “ter”, pelo status, marcas e todos os frutos do capitalismo que exigem o auferimento de rendas cada vez maiores. Abaixo um quadro comparativo das gerações feito pela Revista Exame:

O histórico das gerações

Fonte: Revista Exame

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Talvez a incapacidade de enxergar que em um futuro não muito distante as relações de trabalho serão extremamente modificadas, que tanto se discute alguns pontos que foram objeto da reforma trabalhista, os quais talvez nem mesmo o legislador se deu conta da sua importância sob este prisma temporal das gerações. Por exemplo, o home office, a jornada por tempo parcial, a jornada intermitente e a terceirização são exemplos de quebras de paradigma.

As gerações mais novas são muito mais empreendedoras e estão inseridas no ecossistema das startups, das estruturas horizontais de hierarquia e da viabilidade do trabalho de qualquer lugar. Portanto, é muito provável que em pouco tempo possa fazer menos sentido para alguns segmentos a atuação em jornadas rígidas e/ou até mesmo sob o manto de um vínculo empregatício.

Hoje é inegável que com um smartphone e uma boa conexão de wifi é possível estabelecer contato e realizar as mais variadas tarefas de qualquer lugar e a qualquer tempo, fazendo-nos repensar  o conceito de produtividade e a própria forma como se dará a subordinação e sua pertinência nas relações de trabalho.

A jornada intermitente e a terceirização, em especial, têm sido objeto de muitas críticas e discussões no sentido de se justificar uma possível precarização das condições de trabalho em razão do fim das relações mais tradicionais  de emprego. Acontece que, possivelmente, serão importantes mecanismos para viabilizar as conexões de trabalho entre seres tecnológicos, conectados e talvez menos dispostos ou motivados dentro das rígidas jornadas de trabalho que temos hoje.

Por que alguém veria propósito em estar à disposição de outrem durante 8h diárias e 44h semanais, quando as demandas e necessidades podem surgir a qualquer tempo em razão da tecnologia e da globalização? Não seria muito mais produtivo, neste contexto, uma contratação on demand? Será que as pessoas vão querer permanecer reféns da exclusividade com o empregador? Será que a rigidez dos contratos de trabalho ainda serão o “Santo Graal” das gerações que passam a dominar o mercado de trabalho?

Todos esses questionamentos, ainda pendentes de resposta, devem estar presentes na mente daqueles que colocarão fim nas demandas que se apresentam, posto que estamos em transição e, como em todas, certamente haverá arestas a serem aparadas fruto dos conflitos entre as gerações que ingressam e as que estão prestes a sair de cena no mercado de trabalho.

A jornada intermitente, por exemplo, permite que um mesmo empregado mantenha vínculo neste formato com diversos empregadores, que havendo demanda os convocam para esse atendimento específico e por prazo delimitado. Da mesma sorte, o empregado pode recusar a convocação se entender que não é interessante ou se já estiver comprometido em outro projeto.

Num primeiro momento pode-se até argumentar que se trata de enorme poder na mão do empregador, que poderia precarizar as condições remuneratórias de seus empregados através deste tipo de contratação com o fito de gastar menos com folha de pagamento. Ocorre que esta é uma visão míope e contaminada pelas experiências das gerações que já estão deixando o mercado de trabalho. Quem foi que disse que os Ys e o Zs não podem facilmente se adaptar a esse novo ambiente? Quiçá que não se viriam mais motivados com a liberdade de agenda?

Logicamente, que como em em toda transformação, aparecerão aqueles que pretendem se aproveitar das ferramentas de forma indiscriminada, bem como que no dia a dia deverá ser verificada a necessidade de adequações do próprio texto legal. Mas o fato é que o ordenamento jurídico e sua interpretação não está acompanhando a revolução tecnológica pela qual estamos passando e muitas vezes se torna ele o principal obstáculo a ser transposto.

Igualmente, podemos falar da jornada por tempo parcial e do home office. São formas de contratação que garantem a proteção estatal, mas ao mesmo tempo garantem maior liberdade de agenda aos contratados. Estamos na era em que o bem mais valioso do ser humano é o tempo! O tempo que ele tem para gozar a vida e conciliar as obrigações com o seu bem estar.

Não estamos distante do dia, se é que já não chegamos nele, em que uma boa proposta de trabalho não será direta e exclusivamente relacionada à oferta financeira, mas também será considerado pelo candidato que se pretende contratar o grau de autonomia que terá na gestão de seu tempo. São os “autônomos de carteira assinada” que podem ser o futuro da mão de obra mundial diante da velocidade na informação e na transformação da infraestrutura pela qual ela é disponibilizada. O tempo e o espaço, enquanto critérios de quantificação do trabalho e alocação de mão de obra estão deixando aos poucos de ser tão relevantes.

Quem não se lembra da primeira cirurgia realizada à distância  e através da utilização de robôs? Em 2001, a primeira operação transatlântica foi conduzida por cirurgiões em Nova Iorque em um paciente na França. Passados quase 18 anos a tecnologia em muito se aperfeiçoou e superou barreiras, hoje robôs são utilizados para fazer triagem em hospitais, capazes de autonomamente conduzir um diagnóstico prévio de urgência e pertinência de uma consulta mais aprofundada.

Os elevadores são inteligentes e fazem cálculos para otimizar o transporte das pessoas sem a interferência humana, assim como temos assistido a evolução dos carros autônomos presentes apenas em filmes de ficção científica nos anos 90. Dentre tantas outras inovações que acompanhamos diariamente.

É possível dizer que além das consequências trazidas para as novas gerações, a tecnologia também se torna cada vez mais um fator transformador das relações de emprego, seja em decorrência da substituição do trabalho humano, fruto da automação e da inteligência artificial, seja pela própria modificação da forma como os trabalhos humanos são realizados em razão da nova infraestrutura digital que se apresenta. Isso é uma realidade e a necessidade de adequação uma obrigatoriedade. Não é possível lutar contra esse movimento. Certamente, algumas profissões deixarão de existir e não será um decreto estatal que vai viabilizar a empregabilidade. Qual será o futuro de alguns profissionais?

Muitos dizem que estamos diante de uma nova revolução, a tecnológica, compatível com o fenômeno ocorrido durante a revolução industrial, que foi o berço das regras de proteção do trabalhador e inspiração para a criação de boa parte das normas jurídicas que regem as relações de emprego até hoje. Sendo assim, se a forma como se dará a prestação de serviço está em constante transformação, igualmente estão as demandas de proteção estatal para equilibrar a balança.

A terceirização é outro fenômeno que parece inevitável, com essa característica empreendedora das gerações Y e Z não há como pensar num mundo sem que partes da cadeia produtiva sejam cada vez mais segregadas e, muitas vezes, terceirizadas para outras companhias. Até porque, com as ferramentas tecnológicas e as startups criando cada vez mais soluções baratas, disruptivas e eficazes, provavelmente a dinâmica de contratação pode mudar em muitos setores.

Não se trata de uma visão apocalíptica ou uma defesa irracional das novas formas de contratação e de jornada inseridas com a reforma trabalhista brasileira, mas uma reflexão da pertinência na defesa de alguns direitos, que talvez na prática se tornem empecilhos na contratação pela própria modificação dos anseios da mão de obra ou pela dinâmica mais tecnológica em que se dará a prestação de serviço num futuro cada vez mais presente.

 

Mauricio Pallotta Rodrigues é Especialista em Custeio, Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social e Sócio do Pallotta, Martins e Advogados.

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