Contribuição Previdenciária: Prescrição ou Decadência Tributária Intercorrente na Justiça do Trabalho

  • Em 24 de maio de 2018

Há muito tempo discuto a questão do vício dogmático da inserção no texto constitucional da execução de ofício pela justiça do trabalho das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças ali proferidas.

É entendimento jurisprudencial e doutrinário pacificado no sentido de se enquadrar a contribuição previdenciária como uma das espécies do gênero tributo, a qual tem como fato geradora prestação de serviço e a finalidade específica de custeio da Seguridade Social.

Em tese, diante do previsto no ordenamento jurídico tributário, não deveria ser possível a execução de uma obrigação fiscal jamais constituída formalmente. Trata-se, portanto a execução de ofício referida, de outorga constitucional de relativização das rígidas regras de constituição e exigibilidade do crédito tributário.

A fenomenologia da incidência normativa tributária passa pela declaração de um fato por meio de procedimento estabelecido no ordenamento jurídico e através de instrumento introdutor de norma compatível com a sua sistemática.

Por se tratar a contribuição em questão de tributo que obedece a sistemática de lançamento por homologação, nos termos do artigo 150 do CTN e do parágrafo 7° do artigo 33 da Lei n° 8.212/91, é por meio da GFIP que o contribuinte declara os fatos jurídicos suscetíveis de incidência do tributo e formaliza o seu recolhimento. A GFIP é, portanto, o instrumento introdutor da norma jurídica fiscal-previdenciária no sistema tributário.

Importante frisar rapidamente, nesse ponto, que com a implementação total do e-Social será nesse sistema que essas obrigações serão declaradas, sendo que toda a sistemática tributária da contribuição previdenciária será alterada, talvez até a sua característica de tributo por homologação, mas isso é tema para outra discussão.

Voltando ao tema aqui em debate, a norma processual aplicável na execução ex officio da contribuição previdenciária na Justiça do Trabalho é àquela inserida na CLT por força da Lei n° 10.035/00. Entretanto, até a presente data, não foi inserido no Sistema Jurídico Trabalhista norma material específica relativa a constituição desse crédito fiscal, o que nos leva a crer que deve prevalecer o ordenamento jurídico vigente, prioritariamente o CTN e a Lei n° 8.212/91.

Diante disso, a contribuição decorrente de uma sentença trabalhista mais parece uma consequência lógica do fato jurídico trabalhista do que uma construção normativa capaz de ser executada pela justiça do trabalho. Podemos, inclusive, invocar a teoria de Liebman[1], que entende que a sentença, enquanto ato de Estado, possui uma eficácia natural perante terceiros, no caso a Receita Federal.

Nessa mesma linha, ainda que na parte declaratória da sentença trabalhista condenatória ou homologatória de acordo seja reconhecido um fato suscetível de incidência da contribuição social, inexiste na parte dispositiva a constituição de um título executivo tributário, a execução de ofício não guarda suporte em justo título judicial ou extrajudicial, até porque se trata de questão acessória ao crédito trabalhista efetivamente constituído.

Dito isso, a falha dogmática, em nosso entendimento, reside exatamente no fato de que para ser possível a admissão do processo de execução de ofício das contribuições previdenciárias, é imprescindível se admitir a constituição prévia do título executivo fiscal enquanto decorrência lógica da decisão proferida após o encerramento da fase de conhecimento ou do acordo entre as partes do processo devidamente homologado.

Portanto, o procedimento criado pelo inciso VIII do artigo 114 da Constituição e regulado pelas alterações previstas na Lei n° 10.035/00 parece guardar muito mais relação com a hipótese de arrecadação na fonte de receita, em razão do reconhecimento de fatos jurídicos tributáveis, a qual deve ser fiscalizada pelo magistrado trabalhista, do que propriamente com procedimento de execução de tributo.

A prescrição intercorrente se trata de espécie prescricional que tem como termo inicial de sua contagem a citação e ocasionada pela paralisação do processo por muito tempo. Nessa modalidade, o curso do prazo prescricional, antes interrompido pelo ajuizamento da ação trabalhista, recomeça do início.

O parágrafo 1º do artigo 884 da CLT, ao estabelecer a limitação meritória dos embargos do devedor, admite a arguição de prescrição na fase de execução, o que leva a crer que a intercorrente também poderia integrar o petitório do devedor, na medida em que a segunda se trata de espécie da primeira (quem pode o mais, pode o menos).

O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento na Súmula 150, no sentido de que prescreve a execução no mesmo prazo que a ação, bem como que se admite, igualmente, no direito trabalhista a arguição de prescrição intercorrente.

Em relação ao crédito tributário passível de execução ex officio na Justiça do Trabalho, para fins de contagem de eventual prazo de prescrição intercorrente, importante observar a previsão do artigo 40 da Lei n° 6.830/80, que determina a suspensão do curso da execução enquanto não for localizado o devedor ou bens sobre os quais possa recair a penhora e que, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição em curso.

Entretanto, conforme bem asseverado por Sérgio Pinto Martins[2], o referido dispositivo não se aplica para a execução da contribuição social na Justiça do Trabalho, uma vez que inexiste a inscrição na dívida ativa que justifique a incidência da norma inserida na Lei n° 6.830/80. Ademais, inexiste qualquer omissão na CLT que justifique a aplicação subsidiária de outro diploma legal.

A suspensão processual ocorrerá sempre que verificada alguma das hipóteses previstas nos artigos 265 e 791 do Código de Processo Civil, tratando-se de uma situação juridicamente prevista no ordenamento e, nesse período, o processo, apesar de não poder ser extinto, permanece paralisado em razão da impossibilidade da parte de promover qualquer ato. Dessa feita, considerando os efeitos da suspensão processual, não deve fluir o prazo de prescrição intercorrente durante esse momento processual.

O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 114, consolidou o entendimento de que a prescrição intercorrente não se aplicaria em ambiente de jurisdição trabalhista. Contudo, conforme vimos anteriormente, esse entendimento vai de encontro ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, desde 1963, aplica a regra de prescrição intercorrente no processo trabalhista com base na Súmula 327.

Em razão dessa divergência de entendimentos, instalou-se no Direito Processual do Trabalho uma verdadeira guerra doutrinário-jurisprudencial acerca da possibilidade de aplicação desse instituto.

Podemos até argumentar que a outorga de competência de impulso oficial ao magistrado trabalhista prevista nos artigos 765 e 878 da Consolidação das Leis do Trabalho causaria óbice à aplicabilidade da prescrição intercorrente. Entretanto, é certo que mesmo diante da movimentação de ofício do juiz do trabalho na fase de execução, certos atos podem ser de competência exclusiva da parte, que em permanecendo inerte por sua própria liberalidade, não pode ser beneficiada com a tramitação ad aeternum da medida judicial. Isso vai de encontro a qualquer interpretação do princípio da segurança jurídica.

Nesse sentido, a jurisprudência mais moderna produzida pelos Tribunais Regionais do Trabalho[3]  vai ao encontro da possibilidade de aplicação excepcional do instituto prescricional intercorrente de acordo com o caso concreto. Não obstante o artigo 878 da CLT dispor expressamente que a execução pode ser promovida por qualquer interessado, ou de ofício pelo próprio juiz da causa, nos casos em que ficar demonstrado o total desinteresse da parte em oportunizar os meios eficazes de alcançar o seu crédito, deixando de praticar atos que lhes são exclusivos, não se deve aplicar a hipótese do referido dispositivo que autoriza o impulso oficial.

O entendimento nesse tipo de situação de inércia do exequente por mais de 6 anos consubstancia uma exceção ao entendimento contido na Súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho, autorizando, destarte, a decretação da prescrição intercorrente no curso da execução trabalhista. Inclusive, no que pertine à contribuição previdenciária, aplicando-se, em caráter de extrema exceção, subsidiariamente, o parágrafo 4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal .

Não podemos deixar de considerar o fato de que o Supremo Tribunal Federal, na sua condição de guardião da Constituição e, portanto, pilar do Estado Democrático de Direito, sustenta a aplicabilidade da prescrição intercorrente, também, nas lides trabalhistas. Pensar o contrário seria o mesmo que admitir a existência de uma lide perpétua.

Corroborando essa possibilidade, recentemente o TRT da 15ª Região declarou inconstitucional a palavra “devida” constante no inciso I do art. 22 e da alínea “b” do inciso I do artigo 30, e §§1º e 2º do art. 43, ambos da lei 8.212/91, por violação ao art. 195, I da constituição Federal[4].

Sendo assim, a decisão do julgado foi no sentido de que a Constituição Federal já prevê qual é o fato gerador para incidência da contribuição previdenciária, quais sejam: folhas de salários e demais rendimentos (pagos ou creditados), não sendo admissível a tentativa de alargar o campo de incidência, incluindo a expressão “devidas”, se fazendo necessária a declaração de inconstitucionalidade do termo presente na lei nº. 8.212/91.

Cumpre-nos destacar que a depender da interpretação dada aos referidos dispositivos pode se construir uma argumentação jurídica lógica no sentido de ser possível defender a declaração da decadência da contribuição social decorrente de ação trabalhista no curso do processo, poderíamos de chamar de “prescrição ou decadência tributária intercorrente no processo do trabalho”.

Isso porque se o fato gerador da contribuição ocorrer ou se consumar a cada mês de prestação de serviços, como desejou o legislador infraconstitucional, somos praticamente obrigados a admitir que o prazo decadencial tem início a partir do dia 1º do ano subsequente ao de cada uma das competências, é o que dispõe o art. 45, I, da Lei nº 8.212/91.

O curso desse prazo não será interrompido pela simples propositura da ação trabalhista e nem pela prolação de qualquer decisão judicial em âmbito trabalhista, da qual não participa o sujeito ativo da tributação (INSS) e que não serviria, então, para constituir o débito tributário ou em mora o devedor.

Diante dessas premissas, considerando que o prazo decadencial para a cobrança das contribuições previdenciárias é de 5 anos (art. 173, I, do CTN e Súmula Vinculante nº 8) e que o processo trabalhista não costuma terminar antes desse prazo, podemos chegar a situação de não ser possível a cobrança/execução da contribuição dele decorrente ante ao reconhecimento da decadência ou da prescrição.

Mauricio Pallotta Rodrigues é Mestre em Direito do Trabalho pela USP e sócio do escritório Pallotta, Martins e Advogados.

[1] “A sentença, como ato de autoridade ditado por um órgão do Estado, reivindica naturalmente, perante todos, seu ofício de formular o comando concreto da lei ou, mais genericamente, a vontade do Estado, para um caso determinado. As partes, como sujeitos da relação à que se refere a decisão, são certamente as primeiras que sofrem sua eficácia, mas não há motivo que exima os terceiros de sofrê-la igualmente. (…) Entre partes e terceiros só há esta grande diferença: que para as partes, quando a sentença passa em julgado, os seus efeitos se tornam imutáveis, ao passo que para os terceiros isso não acontece. (…) Por certo o juiz, ao decidir, pode cometer erros, e é esta uma hipótese que a lei prevê e considera, estabelecendo uma série de garantias e remédios para evitar e reparar os erros. (…) A eficácia da sentença, considerada independentemente da autoridade da coisa julgada, está subordinada à sua conformidade com o direito; mas esta se presume, e só uma efetiva demonstração da sua falta impede a sentença de produzir em concreto o seu efeito natural e normal.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença. Rio de Janeiro, 1945, Editora Forense, p. 105-122).

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 94.

[3]“PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. INÉRCIA DO EXEQUENTE POR 4 (QUATRO) ANOS. EXCEÇÃO À SÚMULA 114 DO TST. INAPLICABILIDADE DO ART. 878 DA CLT. PROVIDÊNCIA QUE COMPETIA À PARTE. A situação narrada nos autos, inércia do exequente, por 6(seis) anos, período em que os autos permaneceram no arquivo sem qualquer manifestação do maior interessado, consubstancia exceção ao entendimento contido na Súmula 114 do C. TST e torna inaplicável o art. 878 da CLT por se tratar de providência que competia à parte e não de impulso oficial.” (TRT2 – Agravo de Petição – 8ªT. Proc. n° 0094200-13.2006.5.02.0291. Rel. Silvia Almeida Prado. 9/12/2014).

[4] Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

[…]

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

I – a empresa é obrigada a:

[…]

  1. b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência;

Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.

  • 1o Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado.
  • 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.

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