Como os sistemas eletrônicos violam os direitos dos contribuintes

  • Em 2 de janeiro de 2018

Chegamos ao final de mais um ano fiscal, mas com novos problemas a serem enfrentados pelos contribuintes. De um lado, a dita “facilitação” ao cumprimento das obrigações acessórias por meio da implantação, em quase sua totalidade, do SPED e do esocial. De outro, as dificuldades práticas ao exercício de direitos já reconhecidos aos contribuintes.

Me refiro, por exemplo, à nova forma de comunicar ao fisco em uma única declaração as informações relativas aos trabalhadores, como vínculos, contribuições previdenciárias, folha de pagamento, comunicações de acidente de trabalho, aviso prévio, escriturações fiscais e informações sobre o FGTS.

Se é certo que a transmissão eletrônica dos dados poderá simplificar a prestação das informações referentes às obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas, de forma a reduzir a burocracia para as empresas, também é certo que as “amarras” do sistema trarão problemas operacionais para validação, na prática, de algumas regras tributárias garantidas pela legislação.

É o caso do preenchimento da alíquota RAT no evento S-1005 do esocial. A legislação prevê no parágrafo 3º do artigo 22 da Lei nº 8.212, de 1991, que o contribuinte deve, mensalmente, declarar a alíquota que entende enquadrar sua atividade preponderante ao respectivo grau de risco (as alíquotas variam de 1% a 3% para o risco leve, médio e alto, e incidem sobre a folha de pagamento).

Pelo esocial, contudo, o vínculo da atividade preponderante é feito automaticamente com o CNAE do estabelecimento, o que muitas vezes implica em alíquota superior à que seria correta.

Se a própria legislação dispõe que a tarefa de validação da atividade preponderante é atribuição do fisco, caso discorde do RAT declarado pelo contribuinte, a vinculação automática e prévia do sistema do esocial com o CNAE da empresa não poderia acarretar prejuízo aos contribuintes. Não é o que se vê na prática.

Igual prejuízo financeiro haverá sobre algumas verbas trabalhistas pagas aos funcionários já reconhecidas como indenizatórias pelo Poder Judiciário e sobre as quais não deveria incidir a contribuição previdenciária patronal devida ao INSS. Mas a tabela de rubricas do esocial traz, por exemplo, terço de férias e 15 dias de auxílio doença como automaticamente incidentes de contribuição previdenciária, gerando um custo desnecessário de folha da ordem de 20% sobre os valores pagos.

Outro obstáculo operacional também foi criado recentemente pela Receita Federal. A Instrução Normativa RFB nº 1.765/2017, publicada no DOU em 04/12/2017, tratou sobre a recepção dos pedidos de restituição e das declarações de compensação (os chamados “per/dcomps”).

Referida regulamentação veio reiterar a necessidade de cruzamento dos créditos tributários pleiteados pelo contribuinte com suas respectivas obrigações acessórias, trazendo a exigência, no caso de créditos de saldo negativo de IRPJ ou de CSLL, de ser transmitida a ECF previamente ao per/dcomp, sob pena de o pedido não ser transmitido eletronicamente.

Embora a legislação tributária preveja a formação do saldo negativo com o encerramento do ano-calendário, bem como sua comprovação por meio do cruzamento de diversas declarações (a exemplo da ECF, DCTF, DARF e DIRF), na prática haverá um atraso de quase seis meses para que o pedido possa ser transmitido ao fisco, porque o crédito de IRPJ/CSLL surge em janeiro (referente ao ano-calendário anterior), mas a ECF é entregue em julho.

Este atraso certamente afetará o fluxo de caixa fiscal das empresas, pois o débito “pago” com per/dcomp é automaticamente extinto quando da transmissão do arquivo, tendo o fisco o prazo de cinco anos para validar o procedimento adotado pelo contribuinte (a chamada “homologação”).

Do lado societário também não é diferente. Situação curiosa ocorre atualmente com a impossibilidade prática de se constituir uma empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”) tendo como titular uma pessoa jurídica.

O problema reside no sistema da Receita Federal (conhecido por “DBE” – documento básico de entrada), obrigatório para registrar uma alteração societária perante a Junta Comercial, mas que não possui um código para informar, no quadro de sócios, a titularidade de pessoa jurídica.

Ou seja, o Código Civil e o DREI (Departamento de Registro Empresarial e Integração) permitem há muito tempo a criação de uma EIRELI por pessoa jurídica (art. 980-A e IN 38/2017), mas o sistema eletrônico de uma das partes obrigatoriamente integrantes deste relacionamento não dispõe de uma ferramenta para efetuar o cadastro, obrigando as empresas a buscarem seu direito por meio da propositura de medidas judiciais muitas vezes morosas e custosas.

Em suma: em que pese o inegável caminhar para a completa informatização do relacionamento entre fisco e contribuintes, os sistemas eletrônicos que estão sendo criados estão, em determinada medida, restringindo silenciosamente direitos garantidos pela lei e validados pelo Poder Judiciário, o que certamente contribuirá para aumentar ainda a mais litigiosidade entre as partes.

Seria um desejo da virada esperar que as autoridades administrativas revejam estes entraves operacionais para melhorar espontaneamente a vida do contribuinte neste novo ano? Feliz 2018!

 

 

Marcos Martins é especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Pallotta, Martins e Advogados.

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