Juro elevado impõe bom senso nas relações entre insurtechs, seguradoras e corretoras de seguros

  • Em 29 de junho de 2022

Finalmente, a palavra da moda entre os jovens capazes de atrair milhares de dólares, euros e reais para o setor de seguro deixou de ser “disrupção” para ser “vamos juntos”. Do outro lado, seguradoras e corretores tradicionais priorizam acelerar a inovação, mesmo que isso signifique reduzir, um pouco, a lucratividade, para conquistar consumidores mais jovens. Como disse Nuno David, diretor comercial da MAG Seguros, não faz mais sentido questionar se a tecnologia serve o negócio ou faz parte do negócio. “Isso é uma discussão acadêmica. Zero relevância no dia a dia das operações. Nada se faz sem tecnologia hoje”, argumentou no painel “API, a integração do ecossistema”, no evento Insurtech Brasil, realizado em São Paulo em junho.

A 5ª edição do Insurtech Brasil reuniu cerca de mil visitantes ao longo do dia. O evento contou com quase 20 horas de conteúdo, distribuídos em 15 painéis e quatro palestras, apresentados por 45 especialistas diferentes. Entre os conferencistas estavam executivos e representantes de startups, seguradoras, empresas de tecnologia, reguladores, distribuidores, prestadores de serviços e demais agentes da cadeia, além de autoridades, como Alexandre Camillo, superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep).

A pandemia mostrou que a venda virtual é inerente aos negócios de seguros. Significa que seguradoras e corretores têm de ser digitais para atender o consumidor que paga conta, investe, pede comida, ouve musica, chama o taxi, aluga casa, compra viagens e pesquisa seguros na palma da mão. E quer também acompanhar seu pedido de guincho ou indenização pelo aplicativo. Mas se tiver problemas, quer falar com um humano. Simples assim.

A disrupção ao setor foi trazida pela tecnologia inserida no mundo e não por desbravadores. E neste cenário, as seguradoras tradicionais e os corretores avançam por uma questão de mudança cultural e não porque uma leva da geração entre 30 a 45 anos decidiu mudar radicalmente o setor de seguros. Os jovens tem uma mente mais aberta para a tecnologia e viram a oportunidade de ganhar dinheiro com o setor e se tornarem um dos tantos bilionários que a Forbes hoje exibe no ranking anual. Mas, para isso, precisam tanto das seguradoras como dos corretores. Aqui e no mundo.

Segundo a empresa de análise CBInsights, os aportes globais em startups de todos os setores totalizara US$ 143,9 bilhões, queda de 19% em relação ao trimestre anterior, maior perda sequencial em quase uma década. O que resulta em demissões em massa e exige remodelação dos projetos. Uma realidade gerada pela alta de juros promovida por diversos bancos centrais para conter a inflação. Para os donos do dinheiro vale mais a pena deixar aplicar em investimentos mais seguros, como títulos do tesouro e outras aplicações indexadas às taxas de juros, do que arriscar em uma startup, que apresenta risco muito maior.

Números apresentados por Alexandre Camillo, titular da Susep, sinalizam que o prazo de maturação e uma insurtech leva em conta ter um bom plano de negócios e não apenas disrupitivo. As 10 insurtechs em operação foram responsáveis por vendas de R$ 47 milhões em prêmios, com 830 mil apólices comercializadas, com tíquete médio de R$ 57. De acordo com fontes que fazem parte destas insurtechs, praticamente a totalidade das vendas vem da Pier Seguros, a primeira a deixar o ambiente do Sandbox da Susep. E que tem entre seus sócios e investidores profissionais +60 e com vasta experiência no setor de seguros.

Do outro lado, as seguradoras tradicionais comemoram o crescimento das vendas. Somente no primeiro trimestre deste ano, o setor registrou faturamento de R$ 82,1 bilhões, avanço de 15,4%. As seguradoras registradas em bolsa, obrigadas a divulgar o balanço trimestral, informaram que as vendas foram estimuladas pelas facilidades trazidas pela tecnologia e produtos mais enxutos para atender uma população com orçamento apertado. O lucro, que registrou queda em 2021 impactados pelas indenizações relacionadas ao Covid-19, já volta a subir com a ajuda da Selic a 13,25% ao ano, segundo dados da Susep consolidados pela consultoria Siscorp.

Isso comprova que neste segmento não ganha quem faz mais alarde e sim quem mais entende do negócio de seguros e dos novos hábitos do consumidor. A Porto, sempre tida como uma seguradora mais cara pelos serviços que presta, comemora o avanço das vendas do seguro de auto básico. Também se associou a startup como PetLove para crescer no mundo animal. A Prudential, considerada seguradora de elite, fez parceria com o Mercado Pago para entrar no segmento de seguro de vida massificado, com preços a partir R$ 9,90.

Os consumidores jovens estão de olho nos beneficios. Uma amiga que mora em Londres, onde estive recentemente, me disse: vamos andar duas horas porque eu preciso ganhar desconto da Vitality. Trata-se da insurtech parceria da Prudential que dá beneficios para os clientes com hábitos saudáveis da seguradora. Fez esporte, ganha. Comprou comida saudável, ganha. Obteve melhoras nos exames médicos, ganha pontos, que podem ser revertidos desde um simples café na rede Costa, como desconto na compra de um Apple Watch, ou aumento do capital de vida segurado como também desconto no valor do preço do seguro.

Ai perguntei para a amiga: enfim comprou um seguro de vida? E ela: não. Comprei o Vitality, que também me dá um seguro de vida. E eu: não. Você comprou um seguro de vida que tem como parceiro uma empresa sul-africana que chamada Discovery, que criou o Vitality. Ela gerencia um ecossistema de descontos para te estimular a cuidar da saúde. Mas na cabeça da amiga ela comprou um pacote de benefícios, pois não precisa de seguro de vida. Não tem filhos ou pets. E a hipoteca do imóvel já conta com um amplo plano de saúde público. O que demostra como é importante conhecer o consumidor.

Além da Vitality, o Brasil conta com outra parceria entre insurtech e seguradora. A chilena Betterfly com a Icatu Seguros. Luciano Snel, CEO da Icatu, era um dos poucos CEOs de seguradoras presente no evento. “Vim para olhar, aprender, ter insights, fazer contatos. Há muitas oportunidades de negócios e precisamos estar sempre presentes para agregar valor ao negócio”, comentou. E fez questão de mostrar os benefícios que já conquistou por práticas saudáveis. Abriu o celular no app da Betterfly e disse: veja só quanto já aumentei o capital de meu seguro de vida por praticar esportes! Realmente encorajador cuidar da saúde para cuidar das finanças. Um argumento e tanto para convencer qualquer investidor a comprar uma proteção financeira.

No segmento de corretores, uma das parcerias mais comentadas no evento era a Avita. A plataforma faz a intermediação entre seguradoras e grandes empresas em busca de seguro garantia. Divulgou recentemente que o volume de apólices emitidas no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2021 cresceu 86%. A plataforma funciona como um marketplace conectado a 15 grandes seguradoras no qual as empresas pesquisam produtos de forma online, como as apólices de garantia judicial, que substituem cauções, depósitos judiciais em dinheiro ou fianças. A emissão da apólice é automática e leva 30 segundos, segundo o CEO. A plataforma também permite às empresas gerir todas as apólices em um único diretório. Segundo a Avita, a corretora conta com mais de 300 clientes, entre eles os pesos pesados Cosan, Burger King, Gerdau e Itaú.

Um sentimento explicito em todas as conversas era que conhecer o consumidor é o alvo neste ano. Um ato onde todos saem ganhando. “Na MAG investimos muito em tecnologia. Nossa jornada começou há alguns anos e hoje temos tecnologia embarcada para nos conectarmos a um amplo ecossistema de APIs. Criamos conteúdo com palavras chaves, publicamos nas redes sociais para gerar pesquisa orgânica. Jogamos isso no algoritmo, num processo de tokenizado. E o resultado é: O Antonio tem 40 anos, é casado, tem carro, renda xis, casa quitada e precisa de um capital de seguro yxz. Conseguimos saber o que o consumidor precisa, quais os argumentos que ele tem para recusar a compra e quais os argumentos que o corretor pode apresentar para efetivar a venda. Temos um imenso potencial de crescer em seguro de vida de todos os tipos. Precisamos seguir adiante, sem perda de tempo com discussões que não agregam ao negócio, e ter o cliente no centro da nossa estratégia. Sempre”, afirmou Nuno David.

Mas uma sinalização do clima “vamos juntos” foi observar o assédio a um dos participantes do evento Insurtech Brasil. Ciro Gonzales, da Munich Re Venture, observada todos sem perceber que cada passo seu era acompanhado por um grupo de empreendedores em busca de capital. Gonzales atuou com um olheiro, daqueles de clubes de basquete dos EUA, que buscam talentos. A política do braço de investimentos da resseguradora é trazer o equilíbrio para os negócios. A Munich Re Ventures, assim como outras resseguradoras como a Swiss Re, buscam apoiar as vendas de seguros digitais. Em alguns casos entram no negócio, para sair após a maturação.

A resseguradora alemã é uma investidora estratégica e financeira experiente, trabalhando em todo o mundo para apoiar a próxima geração de tecnologias e modelos de negócios disruptivos. Segundo o grupo, empresas disruptivas criam novos riscos ou desenvolvem novas formas de gerenciar riscos. “Estamos posicionados de forma única para ajudar as empresas de nosso portfólio a lidar com o risco, fornecendo capital, orientação ao conselho, conexões com a indústria e investidores, orientação e suporte operacional e conhecimento técnico”.

Já a resseguradora suiça criou a iptiQ, que busca dar acesso ao seguro para os consumidores, ajudando-os a comprar o seguro de que precisam mais rapidamente – de maneiras mais diretas e convenientes. O modelo de negócios baseia-se na formação de parcerias de longo prazo com seguradoras, mediadores de seguros, bancos e marcas líderes de consumo. O iptiQ fornece produtos de seguro de vida e não vida, dados e uma plataforma digital avançada de ponta a ponta, para que os parceiros possam oferecer experiências multicanal aos clientes, com máxima eficiência e mínimo barulho.

E isso envolve que o produto criado agregue valor além de ser moderno. Tem de caber no bolso do consumidor, mesmo num cenário de juros alto, desemprego e endividamento da população. Sempre bom mencionar que antes de comprar seguro, o brasileiro vai priorizar a moradia, a saúde, a educação e pagar as dividas. Segundo a Serasa Experian, em abril o indicador de inadimplência alcançou o número recorde de consumidores com o nome no vermelho: 66.132.670, para dívidas de R$ 271,6 bilhões. Pouco menos de um quarto da população do país. Se tirarmos crianças, isso fica ainda pior.

Num cenário deste, não adianta ofertar produtos complexos e caros. E nem produtos baratos, sem uma proteção adequada. Um exemplo é o seguro celular. Fiz uma pesquisa para roubo e furto recente para um Iphone 13 Pro, 262gb, sem olhar para franquia e carência. Apenas para ter noção de preço, que era o ponto chave na contratação. Na Porto, R$ 123,31 por mês. Na insurtech Pier, R$ 128,00. Na operadora Claro, R$ 60,00. No Itaú, R$ 20,00 no produto bolsa protegida, que indeniza tudo o que está na bolsa, até o valor de R$ 10 mil.

Para o consumidor o que vale é se cabe no bolso e se ele entendeu bem as regras, o que mostra a relevância não só de preço como no atendimento ao cliente. Tem de ficar bem claro o que ele está comprando, o porque da diferença de preço, clareza nas coberturas, franquias e carências e o percentual de comissão pago ao canal de distribuição do produto. Como disse um dos palestrantes, tem de deixar claro que se entra numa concessionária para comprar um Fiat, vai receber um Fiat e não um Mercedes Benz. Se o negócio é concretizado, mais um cliente para o setor. Se não cumprido, um a mais para aumentar a resistência às propostas enviadas por qualquer seguradora, insurtech ou corretor.

Outro sentimento reinante entre os mais de 1 mil participantes presentes no evento Insurtech Brasil foi o otimismo com o apoio da regulamentação para facilitar o dia a dia dos processos de criação e vendas de seguros. Muitos temiam que o legado positivo gerado pela gestão anterior da Susep, com Solange Vieira, não fosse mantido. Mas Camillo tem mostrado que irá se manter no longo prazo, com algumas correções de rota.

Com essa certeza, fica ainda mais fortalecido o sentimento de “vamos juntos”, com seguradoras, insurtechs, Big techs, corretores e o próprio regulador pensando em maneiras de trabalhar toda a cadeia de seguros, comentou o head de soluções de seguros da Capgemini, Gustavo Leança, presente no evento. Segundo empreendedores entrevistados pelo Sonho Seguro, este cenário amigável mantém o interesse dos investidores. Porém, algumas rodadas de investimentos previstas estão suspensas diante do aumento da taxa de juros e outras tiveram os valores previstos inicialmente reduzidos. “Antes os investidores tinha apetite para crescer mesmo sem lucro. Mas agora a atenção ao caixa é prioritária e, em outras palavras, isso significa crescer mais devagar ou mudar o escopo do negócio”, disse um CEO de insurtech que pediu anonimato.

O Brasil segue como sendo um dos primeiros a implementarem o Open Insurance, com um prazo um pouco mais flexível. Produtos competitivos se destacam no setor, como o exemplo do seguro celular e beneficios em vida para os seguros que antes serviam apenas para a morte. E são essas inovações, atreladas a competição, que mudam tudo. Ganham aqueles que mais convencerem os investidores que estão empenhados em agradar quem realmente manda nesta relação: o consumidor. Ele não perdoa quem o engana. E agradece, com a fidelidade, quem o ajuda quando mais precisa.

 

Fonte: Sonho Seguro

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