Vacinação obrigatória dos empregados: a justa causa, o STF e a LGPD

  • Em 9 de agosto de 2021

Recentemente o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a dispensa por justa causa de uma funcionária de hospital que se negou a tomar a vacina contra a Covid-19. Segundo a turma, a vontade particular do empregado não poderia se sobrepor ao interesse coletivo da sociedade.

Conforme o voto do relator, desembargador Roberto Barros da Silva, “considerando a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação previsto em norma nacional de imunização, sobretudo se considerarmos que o imunizante disponibilizado de forma gratuita pelo governo, foi devidamente aprovado pelo respectivo órgão regulador (Agência Nacional de Vigilância Sanitária ou Anvisa)”.

A partir dessa decisão iniciou-se uma discussão em torno das liberdades individuais em confronto com os direitos coletivos e a Corte Suprema contribuiu, de certa forma, para o aumento da confusão e das inseguranças. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de repercussão geral no ARE 1267879, por meio do qual entendeu ser constitucional a imposição da imunização por meio da vacinação, ao mesmo tempo que estabeleceu, nas ADIs 6586 e 6587, que essa compulsoriedade não deve ser confundida com vacinação forçada, mas que seria legítimo a existência de consequências práticas na vida privada do cidadão que se recusar a aderir à campanha nacional de imunização.

É bem verdade, também, que a Lei 13.979/2020 trouxe no seu bojo a previsão para que as autoridades competentes adotassem a vacinação obrigatória, fato que até o presente momento não aconteceu. Na prática trabalhista tal discussão ganha outros contornos diante da decisão do mesmo STF pela possibilidade de natureza ocupacional da Covid-19.

Na referida decisão, o STF, nas ADIs em que se discutia a constitucionalidade da MP 927, acolheu em plenário a suspensão da eficácia do seu artigo 29 e, com essa decisão, a demonstração de que a contaminação do empregado por Covid-19 não se trata de doença ocupacional passou a ser ônus de prova do empregador. Isso, a despeito do que está previsto na legislação previdenciária e nas experiências pandêmicas anteriores, que vão em sentido diametralmente oposto ao entendimento dos ministros da nossa mais alta corte.

Mesmo que ainda não exista norma de segurança do trabalho que exija a vacinação compulsória, a questão mais importante, quando se trata de segurança do trabalho, é o dever do empregador em garantir a integridade física e a saúde dos seus funcionários quando estão a seu serviço, no que se inclui a prevenção de doenças ocupacionais que podem gerar danos temporários ou permanentes.

Destaca-se que a portaria conjunta da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e do Ministério da Saúde nº 20/2020 trata da possibilidade de implementação de orientações e protocolos de promoção da vacinação, buscando evitar outras síndromes gripais que possam ser confundidas com a Covid-19.

De toda sorte, em sendo um direito social dos trabalhadores e, por consequência, uma obrigação dos empregadores, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, se trata de um poder-dever inafastável. Isso significa que devem ser implementadas técnicas e medidas com o objetivo de garantir que os colaboradores possam realizar suas funções protegidos contra a concretização dos riscos ocupacionais identificados no ambiente de trabalho.

O princípio da melhoria contínua em matéria ambiental impõe aos empregadores um poder-dever de prevenção dos riscos ambientais do trabalho e nisso se inclui a própria antecipação na adoção de medidas que visem a impedir o acometimento dos empregados por acidentes ou doenças ocupacionais conhecidas.

Em tempos de pandemia decorrente de um vírus altamente contagioso, que já matou mais de meio milhão de brasileiros, e que a única ferramenta para se evitar a contaminação, pelo menos no presente estágio do conhecimento científico, é a vacinação de cada indivíduo, se mostra legítimo, desde que inserida nas diretrizes internas das companhias, a exigência de vacinação dos colaboradores, em especial, por que o próprio Supremo imputou ao empregador o dever de se antecipar para que não haja o enquadramento acidentário por presunção dos empregados acometidos por essa doença.

Inclusive, o STF já antecipou, conforme vimos, a legalidade de imputação de consequências na vida privada daqueles que optem por não aderir ao programa nacional de vacinação, no que se pode entender estar inserido a não concessão de visto, a impossibilidade de acessar determinado locais e, por que não?, a possibilidade de demissão justificada por parte do empregador.

Nunca é demais lembrar, que, com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), muito também se tem discutido em relação ao tratamento desses dados de saúde, os chamados dados pessoais sensíveis, nos termos do artigo 5º, II, da LGPD.

Com essa fundamentação, empregados que não desejam se vacinar argumentam que a ausência do seu consentimento seria o suficiente para a negativa de apresentação do comprovante de imunização. Em outras palavras, não haveria, supostamente, base legal para que o empregador exija tal documento. Fato que inviabilizaria a conferência no plano de contingenciamento empresarial para fins de proteção dos empregados em razão do risco ocupacional imposto pela decisão do STF.

Entretanto, o artigo 11 da mesma lei estabelece as hipóteses em que poderá haver o tratamento de dados sensíveis, sendo que no inciso II, alíneas “a” e “e”, deixa clara a possibilidade de tratamento desse tipo de dado, independentemente do consentimento do titular, desde que para fins de cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador e para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro.

Hermeneuticamente falando, com a imposição prevista no artigo 7º da Constituição e demais regramentos que tratam do dever de prevenção da saúde do empregado, somado a interpretação dada pelo STF em relação à possibilidade da natureza ocupacional da Covid-19, invertendo o ônus da prova em desfavor do empregador, revela-se a obrigação legal do mesmo em buscar os meios atuais da técnica para evitar a concretização desse novo risco ocupacional pandêmico. Igualmente, a imposição da adoção de medidas em relação ao indivíduo-empregado visando à preservação não apenas de sua saúde, mas também dos demais colegas de trabalho que com ele convivem em razão da contagiosidade do vírus em questão.

Por essas razões, mostra-se aparentemente legítima não apenas a exigência de comprovação de vacinação para fins de manutenção do vínculo empregatício, enquanto norma interna de saúde e segurança do trabalho que deve ser seguida por todos, sob pena de extinção justificada do contrato de trabalho, como também legítimo e adequado o tratamento desse dado pessoal sensível independentemente do consentimento do empregado, obviamente, desde que respeitados os demais princípios e fundamentos da LGPD, especialmente a privacidade e a não discriminação.

 

MAURICIO PALLOTTA RODRIGUES – Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Salesiano. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócio fundador do Pallotta, Martins e Advogados e da STLaw.

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