Limbo jurídico trabalhista-previdenciário

  • Em 21 de julho de 2020
Para o Portal JOTA
Ação regressiva reversa contra o INSS e a decisão da Primeira Seção do STJ

Em julgamento de recursos especiais repetitivos a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 24 de junho de 2020, fixou a tese no sentido de que o segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido e do benefício previdenciário pago retroativamente, referente ao período entre o indeferimento administrativo indevido e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez mediante decisão judicial. Isso, mesmo nos casos em que se pode verificar a incompatibilidade da sua incapacidade laboral com o exercício de suas atividades.

A situação decidida em sede de repetitivo é a do segurado que se vê obrigado a ingressar com medida judicial em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em razão negativa indevida de requerimento de benefício por incapacidade, mas que não consegue parar de trabalhar no período de tramitação do processo porque precisa prover o seu sustento. A consequência nesses casos é quase sempre que sobrevenha uma decisão judicial posterior reconhecendo o direito do segurado e condenando o INSS no pagamento das parcelas em atraso.

Na decisão a Primeira Seção o STJ entendeu que a culpa do INSS, que obrigou com que o segurado permanecesse trabalhando incapacitado, justiça a cumulação da remuneração recebida em decorrência trabalho (salário) com a retroação do benefício previdenciário e suas parcelas em atraso, situação que a doutrina e a jurisprudência têm chamado de sobre-esforço.

Inclusive, a tese que muitas vezes é suscitada para o afastamento dessa cumulação, o enriquecimento ilícito, na visão do STJ “joga” contra a autarquia previdenciária, já que por sua culpa o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, que é objeto da cobertura previdenciária, inclusive em razão da preservação da sua dignidade humana.

De certa forma, em que pese a referida decisão não tratar especificamente da questão do limbo jurídico trabalhista-previdenciário, ela fortalece a possibilidade das empresas que forem oneradas indevidamente em razão de decisão administrativa ilegal do INSS de não concessão de benefício por incapacidade ingressar com medida judicial regressiva para recuperar o valor gasto com empregados segurados que fazem jus ao afastamento.

O chamado limbo jurídico trabalhista-previdenciário é designado como um fenômeno em que o empregado afastado por incapacidade tem alta médica oficial do INSS e a empresa não o recebe no posto de trabalho por considerá-lo inapto, ou seja, trata-se de uma situação jurídica em que o trabalhador, após a alta médica do INSS, não consegue o retorno à atividade laboral porque o empregador ainda considera pela sua inaptidão, fator impeditivo para a assumir o posto de trabalho.

Via de regra, quando verificada a situação de limbo, o Poder Judiciário Trabalhista tem transferido o ônus de manutenção de subsistência do empregado ao empregador.

Isso se concretiza seja por meio de determinação judicial para que a empresa arque com o custo remuneratório até que sobrevenha a regularização junto ao INSS ou mesmo pela própria organização interna das empresas, cientes desse posicionamento recorrente, que optam por dar licença remunerada para funcionários nessa situação.

Antes mesmo da decisão do STJ já havia entendimento no sentido de ser possível o ingresso com ação regressiva contra o INSS para reaver a título de perdas e danos o valor da remuneração paga ao segurado que recebeu indevidamente a alta oficial do INSS e foi equivocadamente considerado apto para o retorno ao mercado de trabalho, tanto no caso da Alta Programada, quanto no caso de discordância do médico do trabalho com o parecer da Perícia Médica do INSS, desde que haja a demonstração do ato ilícito praticado, o dano e o nexo de causalidade.

Neste diapasão, a decisão da Primeira Seção do STJ, que definiu esses indeferimentos indevidos de benefício por incapacidade como culpa do INSS capaz de garantir a manutenção pelo empregado segurado de ambas as remunerações, a fruto do trabalho e a decorrente do pagamento retroativo das parcelas por conta de decisão judicial, também é capaz de produzir efeito favorável para o embasamento da tese de que as empresas também podem buscar a suas indenizações em razão de eventualmente terem que arcar com a remuneração de empregados incapazes para o trabalho por decisão ilegal da autarquia previdenciária.

Em tempos de crise pós pandemia do coronavírus, isso pode ser uma oportunidade para que as empresas com seus cofres combalidos pela diminuição de receita possam buscar recompor, ainda que parcialmente, o caixa através da recuperação de crédito que hoje a maioria coloca como fundo perdido.

 

MAURICIO PALLOTTA RODRIGUES – Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Salesiano. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócio fundador do Pallotta, Martins e Advogados e da STLaw

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