Fordismo e os Advogados 4.0

  • Em 18 de fevereiro de 2020

São quase 100 milhões de processos da Justiça brasileira. Milhares de petições por dia são elaboradas por advogados juniores, revisadas por seniores, ajustadas por sócios, montadas por estagiários e protocoladas por paralegais.

Milhares de contratos são assinados diariamente. Ao baixar um app, ao vender um produto no marketplace, ao usar um patinete ou o GPS do carro; para ouvir música e comprar comida. Para alugar uma casa e fazer um TED no internet banking.

Contratos, contratos e mais contratos. Petições, petições e mais petições.

E erros de digitação, prazos perdidos, documentos que serviriam como prova não juntados. Rever se o nome do envolvido está certo, se o endereço da empresa é aquele do banco de dados da Receita Federal, se o contrato está assinado por duas testemunhas, se a guia do recurso foi paga e anexada…

Rotina burocrática, redundante e na maior parte das vezes improdutiva. Tempo e dinheiro desperdiçados.

Sem falar da gestão pós-elaboração: a petição está no sistema? o prazo foi conferido e baixado como cumprido? as custas foram imputadas para reembolso do cliente? o contrato está rubricado pelas partes? o prazo da notificação para rescisão foi cumprido? o SLA foi atingido? O relatório está atualizado?

Esta é a atual realidade de muitos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas. Produzimos documentos jurídicos em massa para um consumo em massa.

Por quê, então, não automatizar parte desta linha de montagem?

O mundo jurídico vive agora o que a indústria automobilística viveu há mais de 100 anos. Henry Ford foi disruptivo ao estabelecer, a partir de 1914, um conjunto de mudanças nos processos de trabalho para a montagem de carros.

Baseado em inovações técnicas e organizacionais que se articulavam, Ford popularizou o automóvel ao torná-lo tão mais barato que todos poderiam comprá-lo.

Na sua linha de montagem havia enorme ganho de produtividade porque ele conseguiu semi automatizar o processo a ponto de que cada funcionário fosse responsável por um item da esteira de produção do veículo. E muita das vezes os funcionários não precisavam ser altamente qualificados para exercer seu papel.

Ao processo de massificação dos automóveis se deu o nome de “fordismo”.

 

Resultado: carro barato chegando mais rápido ao consumidor.

Se o processo de elaboração de uma petição-modelo ou de um contrato-padrão tem um ciclo de vida repetitivo, geralmente partindo de uma estrutura já validada pelo escritório ou departamento jurídico (tese, formatação, ordem de revisão, protocolo e anotação no ERP), manter um time todo de advogados e estagiários intervindo exaustiva e manualmente no ciclo de produção é imputar um custo desnecessário ao produto final. 

Fora o tempo gasto. 

Quanto custaria um contrato se fossemos cobrar do cliente as horas efetivamente gastas pelo time jurídico desde a criação até a assinatura das partes? Seria financeiramente inviável.

Glosar horas gastas nesta linha de produção só para tornar o valor financeiramente “aceitável” pelo cliente é esconder uma operação muitas vezes deficitária: nada adianta vender um contrato por R$ 3 mil reais e ter gasto R$ 4 mil em horas de advogados para produzi-lo.

Receita (3.000,00) – custo (4.000,00) = prejuízo (-1.000,00).    

Se, ao invés, utilizássemos um robozinho de automação para executar de forma programada parte desta rotina?

Existem ferramentas que permitem estruturar um contrato ou uma petição em poucos minutos. E mais: integrado com assinatura eletrônica das partes e acompanhamento por indicadores de gestão. 

A partir de um modelo de documento jurídico pré-estabelecido (ex: uma apelação ou um contrato de locação comercial) é possível preencher apenas as informações que forem consideradas mutáveis. 

Como numa entrevista, cada resposta vai sendo usada para formatar o documento final. E não necessariamente esta resposta precisa ser dada por advogados. 

Se já houve validação da estrutura do documento feita por advogados (ex: hipóteses de rescisão, cláusula de confidencialidade, no caso de contratos ou, para petições, jurisprudências, tópico de condenação em honorários, pedidos, etc.), o preenchimento de dados cadastrais ou de questões comerciais como tempo de duração e forma de pagamento, poderia ser facilmente cumprida por profissionais de outras áreas, como a comercial, suprimentos ou mesmo por assistentes jurídicos. 

E ao final do preenchimento um email é enviado aos destinatários para, num clique, assinar eletronicamente o documento. Com um email programado de retorno ao gestor jurídico, por exemplo, o contrato ou a petição está automaticamente arquivada na nuvem com os KPI´s eleitos para, num dashboard, viabilizar a gestão do ciclo de vida. 

De horas para poucos minutos. Com redundância de profissionais da área do direito tecnicamente qualificados – e caros – para integração da linha de montagem com profissionais de outras áreas sem qualificação jurídica. 

O fordismo do século XX na advocacia 4.0 vai ajudar escritórios e departamentos jurídicos em suas tarefas repetitivas de dia-a-dia, gerando ganho em produtividade, economia de tempo e, por consequência, melhor alocação dos recursos para gestão do negócio.     

 

Por Marcos Martins, pós-graduado pela GVLaw, professor de cursos de pós-graduação e sócio do escritório Pallotta, Martins e Advogados.

0 Comentários

rararararararafvcx vzxcsdzxvc