Transação em Matéria Tributária

  • Em 11 de dezembro de 2019

Demorou 53 anos para que a transação em matéria tributária fosse regulamentada no Brasil. Prevista desde 1966 no Código Tributário Nacional (CTN), a transação dependia de uma lei federal para ser aplicada. Finalmente passa a poder ser utilizada pela União e pelos contribuintes em razão da edição da Medida Provisória nº 899, de 17/10/2019.

Não se trata apenas de um parcelamento estilo “Refis”. Sim, além de viabilizar o parcelamento de dívidas com descontos, a “MP do Contribuinte Legal”, como foi apelidada pelo próprio Governo Federal, vai além: viabiliza acordo entre fisco e os contribuintes como forma de reduzir os conflitos fiscais. 

Em resumo, a MP prioriza a busca de soluções negociadas entre as partes.

De acordo com a MP 899/19, as transações tributárias envolvem duas modalidades: 

  • cobrança da dívida ativa;
  • contencioso tributário.

 

Transação na cobrança da dívida ativa da União Federal

Perante o Poder Judiciário Brasileiro existe um estoque gigantesco de processos de cobrança de dívidas fiscais sem qualquer chance de reaver os valores. São cerca de 30 milhões de execuções fiscais na justiça sendo que boa parte delas com probabilidade muito baixa de recuperação dos valores pelo fisco. 

A MP visa acabar com os chamados créditos “irrecuperáveis” ou de “difícil recuperação”, permitindo que o fisco e os devedores possam estabelecer regras para quitação destas dívidas.

 

Créditos “irrecuperáveis” ou de “difícil recuperação”

Embora a MP não tenha dito o que são créditos “irrecuperáveis” ou de “difícil recuperação”, podemos entender que são dívidas com pouca perspectiva de recuperabilidade pela via do processo de Execução Fiscal, seja porque o contribuinte está com seu cadastro inativado perante os órgãos públicos, ou não possui patrimônio, ou não foi localizado, ou então porque está em recuperação judicial, ou o processo está paralisado no arquivo há muitos anos.

Nesta modalidade, a transação poderá ser:

  • individual – cada contribuinte estabelece e assina seu próprio termo de acordo com a PGFN; 
  • por adesão – para determinados temas que são comuns a diversos contribuintes, assim como as regras do acordo.

Em ambas situações o valor do principal da dívida deverá ser integralmente pago, havendo descontos de juros, multas e encargos no limite de até 50% do total da dívida, podendo chegar a 70% nos casos de micro e pequenas empresas ou pessoas físicas.

Ressalte-se que a MP fala em 50% ou 70% de desconto no valor total dos créditos (ou seja, da dívida), o que não significa que será 50% ou 70% de desconto para multas, juros e encargos, já que o principal, que não tem desconto, também compõe o valor total da dívida.

Podemos entender da redação da MP, salvo posterior regulamentação que melhor detalhe o tema, que o desconto pode chegar a mais de 85% nos juros, multas e encargos, conforme exemplo abaixo.

 

Exemplo

Dívida antes da transação

IRPJ (principal): 100,00

Multa: 75,00

Juros: 25,00

Encargos legais: 40,00

Total: 240,00

 

*Desconto máximo: 120,00 (50% do total da dívida = 240,00)

 

Dívida depois da transação

IRPJ (principal): 100,00

Multa: 10,71

Juros: 3,57

Encargos legais: 5,71

Total: 120,00

 

Ou seja, os descontos nas multas, juros e encargos podem chegar a 85,71% dos respectivos valores. 

E no caso de ME e EPP´s, que possui um limite ainda maior, os descontos podem atingir 100% dos consectários legais, remanescendo apenas o principal.

 

Prazo e Carência

O prazo do parcelamento pode chegar a 84 meses, podendo ser aumentado para 100 meses nos casos de micro ou pequenas empresas, havendo a possibilidade de concessão de diferimento e moratória, isto é, de um período de “carência” e postergação para o início dos pagamentos, sendo eventualmente exigidas garantias pelo fisco.

 

Condicionantes

Além disso, para formalizar a transação o contribuinte deverá reconhecer e confessar a dívida e desistir de toda e qualquer discussão judicial sobre o que será transacionado. Também não poderá alienar (ex: vender, incorporar, doar, etc.) bens e direitos sem antes comunicar o fisco.

Além disso, enquanto não aprovado o acordo, a proposta de transação, por regra, não suspenderá a exigibilidade dos créditos tributários nem o andamento das respectivas execuções fiscais, o que implica em ausência de certidão de regularidade fiscal para o contribuinte (ex: CND) e também a possibilidade de haver medidas constritivas contra o devedor nos processos (ex: bloqueios online, penhora de faturamento, leilões, etc.). 

Porém, a MP permite que as partes possam ao menos negociar a suspensão do processo enquanto a proposta de acordo está sendo analisada pelo fisco.

Por fim, não pode haver negociação para multas criminais (ex: penas em dinheiros impostas em substituição à pena de prisão) ou decorrentes de fraudes fiscais (ex: dolo na compensação de tributos via per/dcomp ou GFIP). Nem de débitos de FGTS, de empresas no Simples Nacional ou de débitos ainda não inscritos em dívida ativa (são aqueles que estão em fase de cobrança na RFB).

 

Perspectivas

O Governo estima que cerca de R$ 1,4 trilhão de reais em dívidas estão nesta situação e  aproximadamente 2 milhões de contribuintes poderão ser afetados com a transação de dívidas inscritas.

 

Transação no processo tributário (administrativo ou judicial)

O objetivo da nova regra é reduzir os custos de grandes litígios entre fisco e contribuintes. 

Por isso que não é todo tipo de dívida que está sendo discutida em processo tributário que poderá ser negociada pelo mecanismo da transação (seja em ações manejadas pelo contribuinte contra o fisco – como Mandado de Segurança, Embargos à Execução, Ação Anulatória, etc – ou pelo fisco contra o contribuinte – como na execução fiscal e autos de infração). 

 

Dívida Relevante e Disseminada

De acordo com a Medida Provisória 899/19, a dívida a ser transacionada deve ser considerada “relevante” e “disseminada”. 

Em nosso país há diversos grandes temas tributários que fazem parte de discussões judiciais diárias entre fisco e contribuintes. Só para citar alguns: 

  • lucros de coligadas e controladas no exterior x tratados internacionais;
  • ágio e deságio na aquisição de empresas;
  • subvenção para investimento ou custeio;
  • IRRF/CIDE sobre serviços do exterior;
  • exclusão do ICMS do cálculo do PIS/COFINS;
  • aplicação de multa de 50% sobre o valor referente a pedidos de restituição, ressarcimento ou compensação de créditos considerados indevidos pela Receita Federal;
  • contribuição previdenciária sobre PLR e stock options;
  • IPI na revenda de bens importados.

 

Pelas novas regras, caberá ao Ministro da Justiça a responsabilidade de listar os temas, por meio de edital, indicando as situações fáticas e jurídicas passíveis de negociação e as condições para a adesão a todos aqueles que se enquadrem, podendo também prever descontos e prazo de até 84 meses para pagamento. 

 

Condicionantes

Os contribuintes interessados na transação apresentarão sua adesão observando o procedimento a ser definido em portaria do Ministro da Economia, sendo que também deverão confessar a dívida e desistir dos processos em discussão. 

 

Suspensão da cobrança

A proposta de adesão feita pelo contribuinte suspende a tramitação dos processos administrativos, porém não suspende os créditos tributários em cobrança, o que significa dizer que o contribuinte que tenha processos judiciais sem garantia ou outra causa de suspensão da exigibilidade não terá certidão de regularidade fiscal. 

 

Iniciativa inédita

A MP permite que os agentes da União possam realizar a transação em matéria tributária sempre que entenderem haver interesse público, justificando sua decisão com base em juízo de discricionariedade. 

Ou seja, os agentes públicos terão uma maior liberdade para formalizar os acordos e finalizar os conflitos fiscais, sendo permitido um juízo de oportunidade e conveniência, quebrando aquele paradigma da indisponibilidade do crédito tributário.

Tanto é que a MP afasta expressamente a responsabilidade civil, administrativa e penal do agente, salvo, claro, se comprovada sua ação com dolo ou fraude, visando obtenção de vantagem indevida.

 

Balanço Geral

A MP 899/19 vem tentar melhorar a relação fisco-contribuinte, historicamente marcada por interesses conflituosos.

Existem alguns pontos a serem melhor avaliados, como a renúncia quanto a “direitos futuros”, que o contribuinte sequer tem conhecimento, assim como o enorme poder dado ao Ministério da Economia para dispor sobre todas as regras da transação, tirando do Congresso Nacional a decisão de como ocorrerão.

Agora é aguardar os detalhes da transação, seja pelas discussões que haverá no Congresso Nacional para fins de conversão da MP em lei, seja mediante regulamentação do Ministério da Economia e demais órgãos envolvidos, como a PGFN e a RFB.

 

Por Marcos Martins. advogado, com capacitação em Fundamentos de Análise de Dados, sócio de Pallotta, Martins e Advogados e co-fundador da legaltech STLaw

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