O novo papel das plataformas digitais na arrecadação tributária com a LC 214/2025

  • Em 29 de outubro de 2025

A promulgação da Lei Complementar nº 214/2025 marca o início de uma nova fase para o sistema tributário brasileiro, especialmente no que se refere ao papel das plataformas digitais e marketplaces na arrecadação de tributos.
Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o modelo de arrecadação passa a incorporar mecanismos próprios da economia digital, alterando a forma como o Fisco acompanha, controla e cobra tributos no ambiente online.

Marketplaces no centro do novo modelo tributário

Antes da reforma, discutia-se se os marketplaces deveriam recolher ISS (por intermediação de serviços) ou ICMS (por participação na circulação de mercadorias). O STJ havia pacificado que, enquanto intermediárias tecnológicas, essas plataformas estavam sujeitas ao ISS — e não ao ICMS — por não integrarem diretamente a cadeia de comercialização.

Com a LC 214/2025, esse cenário muda: a lei confere tratamento nacional uniforme e reconhece o marketplace como sujeito passivo indireto, responsável solidariamente pelo recolhimento do IBS e da CBS em determinadas hipóteses.
É a primeira vez que o ordenamento jurídico brasileiro positivou expressamente a responsabilidade tributária de plataformas digitais.

Quando as plataformas respondem pelo tributo

A nova lei define duas principais hipóteses de corresponsabilidade:

  1. Fornecedor estrangeiro: quando o vendedor está domiciliado no exterior, a plataforma responde solidariamente com o comprador nacional pelos tributos devidos.

  2. Fornecedor nacional irregular: quando o vendedor não emite nota fiscal eletrônica, o marketplace poderá ser responsabilizado pelo IBS e pela CBS.

A responsabilidade é afastada se a plataforma comprovar o split payment correto ou a emissão regular da nota fiscal.
Além disso, foi criado um sistema de cooperação fiscal, pelo qual o Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal informarão às plataformas sobre fornecedores irregulares, cabendo a elas atuar preventivamente.

A definição legal de plataforma digital abrange empresas que controlam aspectos essenciais da operação, como pagamento, cobrança, entrega ou condições de venda, excluindo apenas provedores de internet, gateways de pagamento e buscadores.

Split payment: inovação e desafio no compliance tributário

Um dos pontos mais revolucionários da LC 214/2025 é o split payment, mecanismo que determina a segregação automática dos tributos no momento da liquidação financeira.
Na prática, o marketplace deverá calcular e recolher IBS e CBS antes de repassar o valor líquido ao vendedor.

Essa dinâmica transforma as plataformas em agentes arrecadadores delegados, exigindo infraestrutura tecnológica capaz de:

  • cruzar dados fiscais em tempo real;

  • identificar o local de consumo (princípio do destino);

  • aplicar a alíquota correta;

  • e garantir a rastreabilidade de todas as transações.

Durante o período de transição (2026–2032), regimes antigos (ISS/ICMS) e novos (IBS/CBS) coexistirão, aumentando a complexidade contábil e operacional.
Por outro lado, a lei oferece certa proteção: se o marketplace cumprir as obrigações de retenção e informação, não responderá por diferenças de alíquotas declaradas pelo fornecedor.

Responsabilidade informacional e cooperação com o Fisco

A LC 214/2025 também introduz um regime informacional robusto.
As plataformas deverão reportar periodicamente todas as operações intermediadas, inclusive de fornecedores não cadastrados como contribuintes.

Esse fluxo de dados cria um ecossistema de cooperação fiscal entre Receita Federal, Comitê Gestor e marketplaces.
A negligência em responder às notificações ou atualizar cadastros pode ser interpretada como omissão tributária, atraindo responsabilidade solidária.

Embora o modelo seja eficiente para o Fisco, ele transfere às empresas privadas funções típicas do Estado, elevando os custos de compliance e criando riscos jurídicos e operacionais — sobretudo para marketplaces de menor porte.

Desafios interpretativos e riscos do novo regime

Apesar dos avanços, a LC 214/2025 ainda deixa zonas de incerteza:

  • Amplitude da definição de plataforma digital, que pode incluir intermediários neutros ou passivos;

  • Critérios vagos de diligência para afastar responsabilidade solidária;

  • Uniformização de obrigações entre plataformas grandes e pequenas, criando barreiras de entrada;

  • Sobreposição de regimes tributários durante a transição (2026–2032);

  • Tratamento incerto de fornecedores estrangeiros e pessoas físicas;

  • Risco de cumulatividade indireta pela falta de neutralização dos créditos não incididos.

Essas lacunas exigem regulamentação complementar do Comitê Gestor para garantir segurança jurídica e preservar os princípios de simplicidade, transparência e neutralidade.

Conclusão: equilíbrio entre arrecadação e proporcionalidade

O novo modelo da LC 214/2025 representa um avanço significativo na modernização da tributação digital no Brasil, mas também impõe desafios técnicos e jurídicos consideráveis.
O sucesso do sistema dependerá do equilíbrio entre eficiência arrecadatória e proporcionalidade regulatória, evitando que o marketplace se torne um substituto tributário universal.

A transformação digital do Fisco é inevitável — mas precisa ser acompanhada de segurança jurídica, previsibilidade e diálogo com o setor produtivo, para que a arrecadação evolua sem comprometer a inovação e a competitividade do mercado digital.

Fonte: portal da reforma tributária

Precisa de auxílio Tributário? Fale com nossos especialistas! →

0 Comentários