
A eficácia dos EPIs e a exigibilidade do RAT: Análise do Tema 1.090 do STJ e a ação da CNI no STF
- Em 5 de agosto de 2025
Por Mauricio Pallotta | Para o Portal Migalhas
Os sistemas trabalhista e previdenciário estão em constante transformação — seja pela evolução tecnológica, seja pelas frequentes alterações legislativas e jurisprudenciais, que muitas vezes geram insegurança jurídica, especialmente quando o tema é a proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos.
Recentemente, dois importantes debates ganharam força nesse cenário de intersecção entre Direito do Trabalho, Previdenciário e Tributário:
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A eficácia dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) na neutralização de riscos;
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A exigibilidade do adicional de RAT mesmo quando há fornecimento de EPIs, com foco nos casos de exposição ao ruído.
Tema 1.090 no STJ: os EPIs eliminam o risco?
O Superior Tribunal de Justiça deu início à análise do Tema 1.090, que trata da efetividade dos EPIs na eliminação de riscos no ambiente de trabalho. A principal questão é: os EPIs são suficientes para afastar o direito à aposentadoria especial?
A resposta do STJ poderá impactar diretamente o reconhecimento de tempo especial e o custeio do benefício, gerando efeitos significativos para empresas e trabalhadores.
A norma de custeio: o “dever ser” e o “não ser”
A concessão de aposentadoria especial está vinculada à efetiva exposição a agentes nocivos. A norma geral e abstrata prevê que, se a exposição for neutralizada, o empregador cumpre seu dever de proteção. Caso contrário, incide a contribuição adicional (RAT majorado), como forma de custear o benefício que compensa os riscos não eliminados.
Logo, o incentivo à proteção está embutido na própria estrutura da norma. Desconsiderar a eficácia dos EPIs significa inverter a lógica da legislação, punindo o empregador que investe em saúde e segurança.
ADIn e ADPF da CNI no STF: segurança jurídica em xeque
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) levou ao STF duas ações — uma ADIn e uma ADPF — questionando a constitucionalidade de normas que impõem o adicional de RAT mesmo quando comprovada a neutralização de agentes nocivos.
A CNI sustenta:
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Ausência de base legal clara para a interpretação de que os EPIs seriam ineficazes por presunção;
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Desconsideração de avanços tecnológicos e científicos que comprovam a eficácia de certos equipamentos, como protetores auditivos;
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Violação aos princípios da legalidade tributária, devido processo legal e segurança jurídica.
Essas ações têm potencial de redefinir os critérios de exigência do RAT e oferecer maior previsibilidade normativa ao setor produtivo.
TNU e o Tema 317: ruído e presunção de validade
A Turma Nacional de Uniformização (TNU), no Tema 317, firmou entendimento de que o uso de dosimetria no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) presume a observância das normas técnicas, como a NHO-01 da Fundacentro e a NR-15. Essa presunção favorece o reconhecimento do tempo especial.
Ou seja, há jurisprudência que valoriza o cumprimento formal e técnico das normas como suficiente para gerar efeitos jurídicos, o que reforça a tese da eficácia dos EPIs bem aplicados.
O caso do CARF: ruído e adicional de RAT
No julgamento do processo nº 10530.724661/2023-94, o CARF entendeu que a simples presença de ruído acima dos limites de tolerância obriga o recolhimento do adicional de RAT, mesmo com fornecimento de EPI.
Por outro lado, o voto divergente destacou que não se pode aplicar de forma linear o entendimento do STF no Tema 555, ignorando elementos técnicos do caso concreto. O relator questionou se é legítimo desconsiderar, sem base técnica, o uso de EPIs atualizados e validados para neutralização do ruído.
Essa divergência evidencia o conflito entre interpretação jurídica da norma e avaliação técnica dos meios de controle.
A raiz do problema: o distanciamento entre norma e realidade
Apesar da centralidade dos debates sobre eficácia de EPIs e exigibilidade do RAT, o cerne da controvérsia repousa sobre a própria fundamentação normativa da contribuição adicional.
A legislação é clara: o RAT adicional só é exigido quando não houver neutralização da nocividade, mesmo com medidas de controle. Isso exige análise concreta da exposição, com base em critérios qualitativos e quantitativos, como previsto no art. 64 do Decreto 3.048/99.
Desconsiderar documentos válidos, como o PPP tecnicamente preenchido, é violar a legalidade e desestimular boas práticas empresariais, contrariando a função preventiva da norma.
Considerações finais
A evolução legislativa, jurisprudencial e tecnológica nos coloca diante de um novo paradigma: é preciso repensar a lógica do custeio previdenciário à luz da efetividade das medidas de proteção.
O que está em jogo vai além da aposentadoria especial. Trata-se da coerência normativa, da efetividade da proteção ao trabalhador, da segurança jurídica para o empregador e da consistência do sistema de financiamento da previdência.
Seguimos acompanhando os desdobramentos no STJ, no STF, no CARF e na TNU, atentos a como o Direito será interpretado para equilibrar proteção, responsabilidade e justiça fiscal.
Por Mauricio Pallotta
Graduado em Direito pelo Mackenzie, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela UNISAL e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP;
Advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial;
Palestrante incompany;
Docente convidado em instituições privadas (ESA São Paulo, ESA Marília, ESA Nacional, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos);
Autor do livro “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.
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