O “Apagão” de Dados no FAP da Construção Civil: Como falhas na migração CEI/CNO estão majorando ilegalmente a carga tributária do setor (2021-2024)
- Em 18 de dezembro de 2025
Introdução: O Custo Invisível na Folha de Pagamento
No complexo cenário tributário brasileiro, a gestão do passivo previdenciário é uma das chaves para a competitividade das empresas, especialmente no setor de Construção Civil. Entre as diversas obrigações, o pagamento do RAT (Risco Ambiental do Trabalho) ajustado pelo FAP (Fator Acidentário de Prevenção) representa uma fatia considerável do custo de mão de obra.
Para uma construtora, cuja alíquota base do RAT é geralmente de 3%, o multiplicador do FAP — que varia de 0,5 a 2,0 — pode significar a diferença entre uma tributação de 1,5% ou de 6% sobre a folha de pagamento inteira.
No entanto, uma análise minuciosa realizada por nossa equipe técnica identificou uma distorção sistêmica grave afetando construtoras em todo o país nos anos de cálculo de 2021, 2022, 2023 e 2024. Não se trata de um aumento na acidentalidade real, mas de um erro material no processamento de dados pela Previdência Social, especificamente na contagem de vínculos empregatícios e massa salarial.
Este artigo visa alertar os gestores e departamentos jurídicos sobre essa falha oculta, que decorre da transição de sistemas de cadastro de obras e da particularidade do envio das GFIPs no setor, resultando em cobranças indevidas milionárias.
A Raiz do Problema: A Migração CEI para CNO e os Códigos da GFIP
Para compreender a falha, é necessário revisitar a rotina operacional do setor. Diferente de uma indústria convencional, onde todos os funcionários estão alocados em um único estabelecimento físico (CNPJ), as construtoras operam de forma descentralizada. Seus colaboradores estão espalhados em diversos canteiros de obra, muitas vezes em regime de cessão de mão de obra ou empreitada.
Historicamente, as obras eram cadastradas no CEI (Cadastro Específico do INSS). A partir de janeiro de 2019, houve a obrigatoriedade da migração para o CNO (Cadastro Nacional de Obras), conforme Instrução Normativa RFB nº 1.867/2019.
Essa mudança impactou a forma como as informações são prestadas na GFIP/SEFIP (Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social). Para cumprir as obrigações acessórias, as construtoras devem utilizar códigos específicos de recolhimento, conforme o Manual da GFIP:
- Código 115: Recolhimento padrão e informações à Previdência.
- Código 150: Cessão de mão de obra ou empreitada parcial.
- Código 155: Obra de construção civil (empreitada total ou obra própria).
A legislação exige que trabalhadores administrativos e operacionais sejam informados corretamente nestes códigos, muitas vezes resultando em múltiplas transmissões de GFIP para uma mesma competência (mês) sob um mesmo CNPJ raiz, mas vinculados a diferentes obras (CNOs).
O “Erro Oculto”: A Falha na Consolidação dos Vínculos
A metodologia de cálculo do FAP, teoricamente, deve considerar o universo total da empresa para definir seus índices de frequência e gravidade de acidentes. Para isso, o sistema do INSS/DataPrev deve somar todos os vínculos empregatícios declarados em todas as GFIPs transmitidas (códigos 115, 150 e 155).
Contudo, identificamos que, a partir dos dados-base de 2019 (utilizados para calcular o FAP vigente em 2021), o sistema da Previdência falhou em consolidar as informações das obras (CNO).
Em casos auditados pelo escritório, verificamos situações discrepantes:
Uma construtora com mais de 570 funcionários ativos, devidamente declarados nas GFIPs (códigos 150/155), teve computado pelo sistema do FAP apenas 32 ou 40 vínculos empregatícios na média anual.
O sistema, aparentemente, capturou apenas os funcionários administrativos ou aqueles alocados em códigos específicos, ignorando a vasta maioria da mão de obra alocada nos canteiros (CNO).
A Matemática do Prejuízo: Por que seu FAP explodiu?
O FAP é um multiplicador comparativo. Ele compara o desempenho da sua empresa com as demais do mesmo CNAE (Subclasse-CNAE).
O cálculo depende de uma fração simples:
Quando a Previdência Social erra e considera que sua empresa tem apenas 40 funcionários (quando na verdade tem 600), o denominador da fração despenca.
Se a empresa teve, por exemplo, 5 acidentes no ano:
- Cenário Real (Correto): 5 acidentes em 600 funcionários = Baixa frequência.
- Cenário Processado (Errado): 5 acidentes em 40 funcionários = Altíssima frequência.
O resultado é catastrófico. A empresa é classificada estatisticamente como um ambiente de trabalho de altíssimo risco, jogando seus índices de frequência e gravidade para o topo do ranking. Isso eleva o multiplicador do FAP para próximo de 2,0000, dobrando a tributação do RAT.
Além disso, o erro contamina o cálculo da Massa Salarial. Ao ignorar os salários dos trabalhadores das obras, o “Índice de Custo” (que compara o custo dos benefícios com a massa salarial total) também é distorcido, prejudicando ainda mais a nota final da empresa.
O Impacto Temporal: 2021 a 2024
O FAP trabalha com um hiato de dois anos (ano-base x ano de vigência). Portanto:
- FAP 2021: Usa dados de 2019 (início da obrigatoriedade do CNO).
- FAP 2022: Usa dados de 2020.
- FAP 2023: Usa dados de 2021.
- FAP 2024: Usa dados de 2022.
A falha sistêmica observada na captura dos dados do CNO se perpetuou por todo esse período, gerando um passivo oculto que as empresas vêm pagando mensalmente sem perceber que a base de cálculo está viciada por um erro material da administração pública.
A Solução Jurídica: Retificação e Repetição de Indébito
É fundamental esclarecer que não se trata de discutir a constitucionalidade do FAP (tema já pacificado), mas sim de corrigir um erro material e metodológico.
O Poder Judiciário tem se mostrado sensível a essa tese. O entendimento consolidado é que o contribuinte tem direito ao cálculo do FAP com base em dados objetivos e reais. Se a empresa declarou corretamente as GFIPs, ela não pode ser penalizada pela incapacidade do sistema da Receita/Previdência em processar essas informações.
A jurisprudência, inclusive do TRF4 e TRF2, aponta para a necessidade de recálculo quando comprovada a divergência entre a massa salarial/vínculos reais e os considerados pelo FAPWEB.
Em ações patrocinadas pelo escritório, temos buscado:
- A declaração do direito ao recálculo: Obrigando a União a considerar a soma integral dos vínculos (códigos 115, 150 e 155).
- A anulação dos índices incorretos: Retificando os FAPs de 2021 a 2024.
- A recuperação dos valores: Via compensação ou restituição do que foi pago a maior nos últimos 5 anos, devidamente corrigido pela SELIC.
Conclusão: O Dever de Revisão
Para as empresas de construção civil, engenharia e montagem industrial que operam com cessão de mão de obra e múltiplos CNOs, a revisão do extrato do FAP não é apenas uma oportunidade previdenciária, é uma medida de compliance e justiça fiscal.
Se sua empresa notou um FAP consistentemente alto ou acima de 1,5 nos últimos anos, mesmo mantendo boas práticas de segurança do trabalho, é muito provável que você tenha sido vítima dessa falha de processamento de dados na transição CEI/CNO.
A recomendação é realizar uma auditoria comparativa imediata entre os relatórios consolidados da SEFIP e o extrato de insumos do FAPWEB. Confirmada a divergência no “Número Médio de Vínculos” e na “Massa Salarial”, a judicialização para a correção dos índices é o caminho seguro para estancar a sangria financeira e recuperar o caixa da empresa.
Por Mauricio Pallotta
Graduado em Direito pelo Mackenzie, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela UNISAL e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP;
Advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial;
Palestrante incompany;
Docente convidado em instituições privadas (ESA São Paulo, ESA Marília, ESA Nacional, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos);
Autor do livro “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.

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