Jurimetria: A Estatística a Serviço do Direito

  • Em 1 de setembro de 2025

A crescente complexidade do sistema judiciário brasileiro e o volume expressivo de processos judiciais têm impulsionado a busca por soluções que promovam maior eficiência e previsibilidade nas decisões judiciais.

Nesse contexto, surge a jurimetria, uma disciplina que alia o Direito à estatística, com o objetivo de transformar dados jurídicos em conhecimento estratégico. Mais do que uma ferramenta tecnológica, a jurimetria representa uma nova forma de pensar o Direito: concreta, analítica e orientada por evidências.

A jurimetria pode ser definida como a aplicação de métodos estatísticos ao Direito, com a finalidade de otimizar a gestão de processos jurídicos, prever desfechos e embasar decisões estratégicas. Trata-se de um processo — e não de um software — que envolve a coleta, organização e análise de dados jurídicos, especialmente decisões judiciais, para extrair padrões e tendências.

A jurimetria possui três esferas principais de aplicação:

  1. Processo como objeto: análise de decisões judiciais para prever resultados e definir estratégias processuais.
  2. Entidade como objeto: avaliação do comportamento jurídico de empresas, órgãos públicos ou tribunais.
  3. Sociedade como objeto: estudo do impacto de leis e políticas públicas sobre a população.

Essas aplicações permitem enfrentar a incerteza inerente ao processo judicial, formular políticas públicas baseadas em dados e realizar análises preditivas de decisões, contribuindo para uma atuação jurídica mais eficiente e fundamentada.

A jurimetria oferece um efeito triplo:

  1. Conhecimento do entendimento judicial: permite mapear como juízes e tribunais decidem sobre determinados temas.
  2. Previsibilidade: auxilia advogados e gestores jurídicos a anteciparem possíveis desdobramentos de um caso.
  3. Estratégia: possibilita a construção de planos de ação baseados em dados concretos, reduzindo riscos e custos.

Além disso, a jurimetria é uma aliada na gestão de risco empresarial, principalmente no contingenciamento de passivos jurídicos, pois sabendo de antemão os processos de risco provável ou possível, pode-se corretamente provisioná-los, poupando aqueles de risco sabidamente remoto, com base na pesquisa jurimétrica.

Apesar de seu potencial, a jurimetria enfrenta desafios importantes:

  • Não substitui a pesquisa clássica do Direito, mas a complementa com dados empíricos.
  • Não se limita a processos judiciais: qualquer documento que envolva conflito pode ser analisado.
  • É distinta da análise econômica do Direito: enquanto esta tem origem nos fundamentos da economia, a jurimetria nasce do próprio Direito.

Outro desafio para o qual se pode contar com a jurimetria é a falta de uniformidade nas decisões judiciais, mesmo em casos semelhantes, o que permite às pesquisas jurimétricas identificar padrões e inconsistências.

Para construir-se uma pesquisa jurimétrica, deve-se seguir um fluxo estruturado. Seguem passos de forma simplificada:

  1. Definição do objeto de estudo (ex: decisões sobre guarda compartilhada).
  2. Formulação de hipóteses (ex: juízes da comarca X tendem a conceder guarda unilateral).
  3. Coleta de dados (decisões, sentenças, acórdãos).
  4. Classificação e análise estatística.
  5. Interpretação dos resultados e formulação de estratégias.

Um exemplo notável foi a pesquisa do CNJ[1] sobre adoção, que revelou o descompasso entre a idade das crianças disponíveis no CNA (Cadastro Nacional de Adoção) e as preferidas para adoção. O estudo resultou na Lei 13.509/2017, que busca acelerar o processo de destituição do poder familiar, demonstrando o impacto concreto da jurimetria na formulação de políticas públicas. Vide abaixo gráfico demonstrativo:

A jurimetria representa uma revolução silenciosa no campo jurídico. Ao transformar dados em conhecimento, ela permite decisões mais informadas, estratégias mais eficazes e uma justiça mais previsível e eficiente. Embora ainda enfrente desafios técnicos e culturais, seu potencial é inegável. Em um cenário onde o artigo 926 do CPC exige jurisprudência estável, íntegra e coerente — mas a realidade mostra o contrário —, a jurimetria surge como uma ferramenta essencial para navegar nas incertezas do sistema judiciário brasileiro.

 

[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Tempo dos processos relacionados à adoção no Brasil: uma análise sobre os impactos da atuação do Poder Judiciário. Brasília: CNJ, 2015. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/01/be5ba61c5c02d04d9e45a555cb5630b8.pdf. Acesso em: 13 jul. 2025.

 

 

Por Bruna Braghetto
Advogada, Palestrante e Instrutora In company.
MBA em Direito Corporativo, Compliance e Pós-Graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito.
Graduação em Direito pela Universidade Católica de Santos.

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