A tecnologia desafia o Direito. E o Direito não pode responder com nostalgia.

  • Em 5 de agosto de 2025

A Uber apresentou ao STF uma tese ousada — mas previsível: motoristas de aplicativo seriam “nanoempreendedores”. A ideia é reconhecer uma categoria jurídica intermediária, com algum grau de proteção, mas fora do regime clássico da CLT.

Não é a primeira tentativa de reconstrução conceitual em torno do vínculo tradicional de emprego. E tampouco será a última. O ponto é: o Direito está preparado para isso? Ou seguimos tentando resolver problemas novos com ferramentas velhas?

 

Uma tese que merece análise — não escárnio

A reação automática à tese da Uber foi previsível: precarização, fraude, e por aí vai. Mas o papel da dogmática jurídica não é reagir com adjetivos. É avaliar os fatos à luz dos conceitos.

Na minha obra “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, proponho que a nova realidade das plataformas — marcada por decisões automatizadas, ausência de hierarquia direta e dispersão do risco — exige uma revisão da ideia clássica de subordinação.

Se não há poder diretivo tradicional, se não há organização da jornada, e se a atuação é efetivamente autônoma, talvez estejamos, sim, diante de uma zona cinzenta. E esse “talvez” já é mais do que muito da doutrina tem coragem de admitir.

Algoritmo: comando disfarçado ou mero facilitador?

Há quem diga que o algoritmo exerce comando. Outros, que ele apenas operacionaliza. A verdade? Depende da arquitetura algorítmica e da intencionalidade da programação.

A subordinação algorítmica, que analisei em profundidade no livro, pode existir, mas não é presumida. Ela exige prova técnica, análise de viés, aferição do poder de interferência. E mais: não pode ser confundida com qualquer sistema automatizado de conexão entre oferta e demanda.

Subordinação estrutural: o risco da teoria do infinito

Outro ponto que precisa ser enfrentado é o alargamento sem freio do conceito de subordinação. A teoria da subordinação estrutural — e agora, algorítmica — tem se mostrado fértil para interpretações criativas, mas perigosa para a segurança jurídica.

Se todo prestador que participa da cadeia de valor de uma empresa puder ser considerado empregado, chegaremos ao absurdo de que qualquer vínculo de colaboração vira relação de emprego.

O Direito precisa de critérios. E precisa de coragem para reconhecer quando um modelo não se encaixa no que a CLT exige.

Nanoempreendedorismo: conceito novo, problemas antigos

A figura do “nanoempreendedor” não resolve o problema da informalidade, mas é uma tentativa legítima de repensar os contornos do trabalho por plataforma. Trata-se de uma política pública controversa, sim, mas que não deve ser descartada só porque rompe com a tradição da CLT.

A crítica jurídica precisa sair do automático e entrar no campo da análise séria:

  • Há controle da prestação?
  • Existe exclusividade?
  • Quem assume o risco econômico da atividade?

Se as respostas apontarem para autonomia e não para dependência, não há como sustentar vínculo empregatício sem ferir a própria estrutura da CLT.

Conclusão (nada romântica)

Não se trata de dizer que motoristas de aplicativo não precisam de proteção. Precisam, sim! Mas essa proteção não será construída às custas da lógica da CLT, sob pena de matar o modelo econômico que se quer regular.

A tese da Uber pode não ser a solução ideal, mas revela o desconforto jurídico com um modelo que ainda não conseguimos enquadrar. É hora de encarar esse desconforto com maturidade — e não com slogans.

 

Para uma análise mais profunda sobre esse tema, recomendo a leitura da obra “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, onde abordo, sem romantismo, os limites conceituais do vínculo empregatício diante da economia de plataformas.

A boa doutrina se faz no atrito — não na conveniência.

 

Por Mauricio Pallotta
Graduado em Direito pelo Mackenzie, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela UNISAL e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP;
Advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial;
Palestrante incompany;
Docente convidado em instituições privadas (ESA São Paulo, ESA Marília, ESA Nacional, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos);
Autor do livro “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.

 

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