O ruído no trabalho: a controversa exigibilidade do recolhimento do adicional do RAT em qualquer hipótese de exposição

  • Em 18 de junho de 2024

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O debate acerca da aposentadoria especial e a exigibilidade do adicional do RAT para trabalhadores expostos ao ruído, mesmo com o fornecimento de EPI eficaz tem sido palco de inúmeras controvérsias. Recentemente, a decisão do CARF no processo nº 10530.724661/2023-94 trouxe à tona essa problemática, com repercussões importantes para empresas e trabalhadores.

Por um lado, a decisão do CARF acabou por sedimentar a tese de que é correto utilizar o fator “q=5”, conforme estabelecido na NR-15, para fins de mensuração da exposição do trabalhador ao ruído, caindo por terra a tese mais gravosa ao contribuinte, no sentido de que seria por meio do fator “q=3” que isso deveria ser avaliado.

Importante frisar que a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece no seus arts. 155 e 159 que incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho estabelecer as normas sobre a aplicação dos preceitos de saúde e segurança, assim como, mediante convênio autorizado pelo Ministro do Trabalho, a delegação a outros órgãos federais, estaduais ou municipais atribuições de fiscalização ou orientação às empresas quanto ao cumprimento das disposições constantes no Capítulo que trata da segurança e da medicina do trabalho. Sendo que, o art. 200 ainda dispõe que cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares sobre proteção do trabalhador exposto a ruídos e vibrações.

Seguindo essa hermenêutica dos dispositivos aplicáveis ao caso do ruído, o parágrafo 12 do artigo 68 do Decreto 3.048/1999 estabelece que, nas avaliações ambientais, devem ser considerados os procedimentos da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO. E, por sua vez, a Instrução Normativa n. 128/2022 reforça a utilização da metodologia da FUNDACENTRO, mas também indica a observância dos limites de tolerância previstos na NR-15.

Apesar de haver entendimentos divergentes sobre a preferência por “q=3”, a interpretação sistemática da legislação trabalhista e previdenciária sobre ruído, somado ao recente julgado do CARF, indicam para a utilização do fator “q=5” enquanto metodologia que melhor se encaixa em todo arcabouço normativo afetado.

O problema é que a mesma decisão também consolidou o entendimento de que a simples presença do ruído no ambiente de trabalho, acima dos limites de tolerância, enseja a obrigatoriedade do pagamento do adicional do RAT, independentemente da efetividade do EPI fornecido.

O CARF argumenta haver seguido a orientação jurisprudencial do STF estabelecida no julgamento do ARE nº 664.335/SC (Tema 555), que decidiu, em 2014, que o fornecimento de EPI eficaz, mesmo que declarado no PPP, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, em caso de exposição ao ruído acima dos limites legais.

O Ministro Luiz Fux, relator do caso no STF, considerou que os EPIs existentes à época não eram capazes de neutralizar completamente os efeitos nocivos do ruído e, portanto, a aposentadoria especial deveria ser concedida ao segurado sujeito à exposição ao ruído acima dos limites de tolerância.

A decisão do STF, embora tenha sido tomada em 2014, com base na realidade tecnológica da época, vem sendo utilizada para justificar autuações fiscais para cobrança do adicional do RAT, mesmo em casos em que as empresas demonstram a eficácia dos EPIs fornecidos e a implementação de novas tecnologias para a proteção da saúde dos trabalhadores.

Ocorre que, o próprio STF, no referido julgamento, reconheceu a decisão como “solução evidentemente provisória”, deixando a possibilidade de que, com o avanço tecnológico, novos equipamentos e sistemas de fiscalização pudessem garantir a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador. Na verdade, o STF fixou as seguintes teses para efeitos de repercussão geral no Tema nº 555:

1) O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;

2) Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário, no sentido da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

Em relação à primeira tese (principal), o entendimento predominante foi que é indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar danos à saúde ou à integridade física. A respeito da eficácia do EPI, o STF entendeu que, em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do equipamento de proteção, a premissa a nortear a Administração Pública e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Ademais, restou enfatizado no referido julgamento que a autoridade competente sempre poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa no laudo técnico de condições ambientais do trabalho ou documento equivalente, tudo sem prejuízo da inafastável revisão judicial.

Neste ponto, cumpre-se esclarecer que a aposentadoria especial é devida ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física por um determinado período de tempo, de acordo com a gravidade da exposição.

Por sua vez, o Regulamento da Previdência, prevê no art. 64 que a aposentadoria especial será devida quando se comprove o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. O § 1º do referido dispositivo dispõe, ainda, que a efetiva exposição se configura quando, mesmo após a adoção das medidas de controle previstas na legislação trabalhista, a nocividade não seja eliminada ou neutralizada. E, que a exposição aos agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde deve superar os limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos ou estar caracterizada de acordo com os critérios da avaliação qualitativa de que trata o § 2º do art. 68.

Sob este prisma, entendemos que a autoridade fiscal não poderia simplesmente desconsiderar a utilização de um método considerado válido para fins de neutralização do agente nocivo no atual estado da técnica, apenas com base na interpretação contrario sensu da decisão do STF para justificar a cobrança do adicional do RAT em todos os casos de exposição ao ruído. Isso coloca em xeque a própria interpretação da legislação previdenciária e a efetividade das medidas de controle de riscos no ambiente de trabalho, já que desestimularia o investimento naquilo que há de mais moderno para neutralização do agente nocivo, função precípua da norma tributária relacionada com o adicional de RAT.

Inclusive no voto divergente, proferido no julgamento no CARF, o relator discorda da aplicação linear do entendimento do STF no Tema 555 para todos os casos de exposição ao ruído. Segundo ele, embora importante, a decisão não significa que a exposição ao ruído impede a neutralização ou mitigação dos seus efeitos. O Relator destacou que a decisão do STF se baseava na declaração do empregador no PPP, e não em outros elementos probatórios que pudessem confirmar a eficácia dos EPIs e outros instrumentos de proteção.

Assim, é óbvio que a decisão do STF serve como um importante precedente que influencia a aplicação da legislação previdenciária e tributária, entretanto, o debate acerca do ruído no trabalho e da aposentadoria especial continua em aberto, não havendo respaldo na referida decisão para dispensa da avaliação de cada caso concreto, ainda mais num cenário onde é preciso premiar os investimentos em novas tecnologias para a proteção da saúde dos trabalhadores.

 

 

Maurício Pallotta

Graduado em Direito pelo Mackenzie, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela UNISAL e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP;
Advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial;
Palestrante incompany;
Docente convidado em instituições privadas (ESA São Paulo, ESA Marília, ESA Nacional, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos);
Autor do livro “Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica”, além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.

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