Modelo de negócio é inviável com entregador CLT, diz diretor do iFood
- Em 23 de dezembro de 2022
Melhorar as condições de trabalho de entregadores e motoristas de plataformas de delivery, como iFood, e de aplicativos de transporte, como Uber, é uma demanda que volta e meia está no noticiário. Sem poder contar com qualquer tipo de proteção social e com jornadas extensas, ele estão fora do mercado de trabalho tradicional. Mas não se pode matar o modelo com camisas-de-força que o inviabilizem.
Para João Sabino, diretor de políticas públicas do iFood, é urgente e necessária a aprovação de uma regulamentação do trabalho de entregadores e motoristas no Brasil. O iFood é a maior plataforma de delivery de refeições e produtos do mercado local, com cerca de 250 mil entregadores ativos. Se considerarmos todos os que já fizeram cadastro e trabalharam em algum momento no aplicativo, são cerca de 1 milhão de brasileiros — que, sem essas empresas, teriam ficado desempregados e sem fonte de sustento.
“Entendemos que precisamos discutir a inclusão previdenciária dessas pessoas, o estabelecimento de ganhos mínimos e a melhora da transparência entre aplicativo e entregadores, principalmente no quesito de precificação e remuneração. Há uma série de coisas que precisam avançar, mas da forma correta”, diz Sabino, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
O executivo diz que a empresa discute desde 2019 como melhorar as condições de trabalho de seus entregadores e garantir a sustentabilidade da plataforma.
O iFood e outras empresas que fazem parte da Amobitec (associação que representa também a Uber, 99 e ZéDelivery) defendem a inclusão dos seus “parceiros” em um modelo que não seja o do vínculo empregatício e nem o de empreendedor individual. A definição exata de como será a relação de trabalho dos entregadores deverá vir em negociações com o Congresso e, principalmente, com o novo governo.
Durante a campanha, Luiz Inácio Lula da Silva falou, em mais de uma ocasião, em “legalizar” a profissão dos entregadores.
“O povo quer e precisa de trabalho decente. Não quer fazer bico ou biscate, entregar comida sem ter direito a descanso semanal remunerado, férias e recesso no Natal e Ano Novo”, afirmou Lula, durante um comício em setembro, em São Paulo.
O iFood e outras empresas que fazem parte da Amobitec (associação que representa também a Uber, 99 e ZéDelivery) defendem a inclusão dos seus “parceiros” em um modelo que não seja o do vínculo empregatício e nem o de empreendedor individual. A definição exata de como será a relação de trabalho dos entregadores deverá vir em negociações com o Congresso e, principalmente, com o novo governo.
Durante a campanha, Luiz Inácio Lula da Silva falou, em mais de uma ocasião, em “legalizar” a profissão dos entregadores.
“O povo quer e precisa de trabalho decente. Não quer fazer bico ou biscate, entregar comida sem ter direito a descanso semanal remunerado, férias e recesso no Natal e Ano Novo”, afirmou Lula, durante um comício em setembro, em São Paulo.
Leia abaixo a entrevista completa:
Como você vê as discussões para regulamentar a profissão dos entregadores de aplicativos?
O iFood enxergou em 2019, antes da pandemia, que o modelo de trabalho de entregadores e motoristas traria um grande debate sobre a relação entre capital e trabalho. Começamos a nos planejar para isso, montamos uma área de políticas públicas dentro da empresa, com diversas verticais de atuação – desde o debate com parlamentares e formuladores de leis até grupos de trabalho para ouvir o que desejam nossos entregadores.
E o que desejam esses trabalhadores?
Pesquisas mostram que dois em cada três entregadores do iFood não querem ser inseridos na CLT. Mas, para nós, isso não é um ponto final na discussão, sim um ponto de partida. Somos uma empresa local, temos uma grande operação no mercado brasileiro e, acima de tudo, temos responsabilidade social com o país e com o ecossistema de entregadores. Entendemos que precisamos discutir a inclusão previdenciária dessas pessoas, o estabelecimento de ganhos mínimos e a melhora da transparência entre aplicativo e entregadores, principalmente no quesito de precificação e remuneração. Há uma série de coisas que precisam avançar, mas da forma correta.
O que seria um avanço prudente, nesse caso?
Temos 250 mil entregadores ativos, que fazem pelo menos uma entrega por mês. A forma com que esses parceiros distribuem o tempo de trabalho é diversa. Temos, por exemplo, entregadores que saíram da plataforma agora em dezembro, pois conseguiram trabalho no comércio, que abre muitas vagas no final do ano. Depois, boa parte deles voltará a atuar na plataforma. É comum que um trabalhador nosso seja entregador, motorista de aplicativo e que faça outros bicos, tudo ao mesmo tempo. São atuações concomitantes, 70% deles trabalham por até 3 horas por no dia no iFood e faz o restante das horas de trabalho em outras coisas. Eu estou dizendo tudo isso para mostrar que a flexibilidade é um ponto essencial para essas pessoas. Muitos dos nossos entregadores priorizam a plataforma porque não querem ter um horário e uma rotina fixa, não querem ter um patrão e querem programar a própria rotina.
Muitos fazem isso também porque não conseguem se manter com apenas um emprego. Como equacionar a remuneração dos trabalhadores?
Mesmo nossos entregadores que trabalham até 3 horas por dia na plataforma têm uma remuneração que representa uma vez e meia o valor-hora de um trabalhador que ganha um salário mínimo. Os que trabalham por mais tempo e todos os dias ganham ainda mais do que isso. Isso não significa, no entanto, que esses entregadores não devam contar com uma rede de seguridade social, como a possibilidade de se aposentar, de receber auxílio-doença e até de sair em licença maternidade, para o caso das trabalhadoras. Sabemos que, para isso, será necessária uma nova regulação.
Qual seria o modelo ideal dessa nova regulação?
Estamos discutindo e observando outros países que já tentaram regulamentar os trabalhos da nova economia. A conclusão é que, até aqui, nenhuma iniciativa se mostrou perfeita e não há nenhum modelo que possa ser replicado. Na Índia, por exemplo, houve a determinação de que os trabalhadores fossem incluídos no sistema previdenciário. Um ano depois, fomos ver o que aconteceu lá e chegamos à conclusão de que não funcionou, porque os governos locais não regulamentaram a lei aprovada pelo governo central.
Aí olhamos para o modelo espanhol, que estabeleceu o vínculo empregatício entre entregadores e plataformas, e também não funcionou. Depois da mudança nas regras, duas das maiores empresas de delivery saíram do país. Uma terceira ficou, mas decidiu terceirizar a administração contratos dos empregadores e não tem dado certo, pois as empresas terceiras também não seguem o que determina a lei. A fiscalização ficou mais difícil: agora temos dezenas ou centenas de empresas contratando empregadores. Quem decidiu seguir a lei perdeu mercado, porque os próprios entregadores não quiseram prosseguir em plataformas que estabelecessem o vínculo empregatício. Acho o modelo da Espanha interessante, no aspecto da relação tripartite para as contribuições previdenciárias, mas há muito a ser aperfeiçoado.
O futuro presidente Lula falou durante a campanha em formalizar os entregadores. Qual a avaliação do iFood sobre isso?
Estamos prontos para iniciar o debate, apenas aguardando o convite do novo governo. Ainda é cedo para saber, porque o Lula não tem um ministro do Trabalho nomeado. Mas nós estamos prontos para contribuir.
Fornecer uma cobertura social para esses trabalhadores exigiria que as próprias plataformas fizessem contribuições financeiras e que promovessem descontos nos rendimentos dos entregadores para custear a seguridade. Vocês estão preparados para absorver esses custos? E os entregadores?
Estamos reunidos na Amobitech, associação que representa as maiores plataformas de entrega e de transporte, como Uber, 99, ZéDelivery e nós, o iFood. Todas essas empresas já disseram que concordam em pagar uma espécie de contraparte patronal, para que os entregadores contem com o mínimo de cobertura social. Isso está pacificado. Vamos encontrar uma forma de calcular as alíquotas e fazer as retenções necessárias.
Mas o que as pessoas precisam compreender é que nosso modelo de negócios não é viável se tivermos que transformar todos os milhares de entregadores em trabalhadores formais. Nem faria sentido, porque as características do trabalho são opostas. A maioria dos nossos entregadores é ocasional e não quer se sujeitar a uma única relação de trabalho.
Além da cobertura de direitos trabalhistas, como aposentadoria e descanso remunerado, o que poderia colaborar para a melhora da qualidade de vida dos entregadores?
Por exemplo: a maior parte dos entregadores é dona do próprio meio de produção (ou seja, trabalham com a própria moto e com os próprios equipamentos). Por isso, aparecem questões sobre o custeio da manutenção dos veículos e até sobre o pagamento de seguros contra roubos e acidentes. Sabemos que, pela própria característica das entregas, trata-se de um trabalho com risco de acidentes. Temos na pauta uma base de seguridade que não garanta apenas a aposentadoria, mas também uma cobertura para afastamentos por questões de saúde, lesão corporal e outras. Você vê? Cada aspecto dessa discussão abre uma janelinha e ali temos um mundo de possibilidades. Aqui, estamos preparados para discutir tudo.
Fonte: metropoles.com
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